Reflexões sobre a autobiografia de Talese

28/07/2009 às 11:16 | Publicado em Autores | 6 Comentários

A passagem recente pelo Brasil de Gay Talese como convidado especial da Flip, a cultuada Feira Internacional de Parati (RJ), foi retumbante.

Não há exagero em dizer que ele teve recepção de um pop star, eclipsando boa parte dos demais participantes, sem que muitos fãs mais jovens de outros autores entendessem o motivo.

Explica-se: Gay Talese, 77, é o autor de perfis que mais influenciou as gerações seguintes de repórteres não somente dos Estados Unidos, mas do mundo todo.

Seu trabalho jornalístico mais conhecido é “Frank Sinatra está resfriado”. Publicado em 1966 na revista Esquire, o perfil tornou-se um dos ícones do Novo Jornalismo, o revival mais conhecido do Jornalismo Literário dos anos 1960 no qual os autores de não-ficção se esmeravam em empregar recursos da ficção, como a construção de cenas e o registro de diálogos.

Depois de nove anos no jornal The New York Times, onde começou como coffee boy em 1953, Talese se dedicou exclusivamente à carreira de escritor.

Sem a pressão dos prazos, publicou até hoje onze livros. Começou bem. Em 1969 lançou O Reino e o Poder (Cia das Letras), obra sobre o New York Times que logo se tornou um best seller.

Em 1971 foi a vez de Honrados Mafiosos (Edibolso, em edição dos anos 1970), história de uma família de mafiosos que inclui as memórias do autor até os 12 anos de idade.

A partir daí, os trabalhos de Talese publicados em revistas, sobretudo a Esquire, tornaram-se uma grife que rendeu muito dinheiro ao escritor, possibilitando-o adquirir o imóvel na East 61st Street onde reside até hoje com a mulher. Aliás, Nan Talese, editora da Random House, ainda é uma bela mulher e o acompanhou nos eventos brasileiros como a palestra no Masp, em São Paulo.

A falta de deadlines apertados e de compromissos financeiros parece não ter feito bem para sua produção textual. Prova é que, de 1972 até 2006, ele lançou apenas dois grandes livros. A Mulher do Próximo (Cia das Letras), como diz o subtítulo uma crônica da permissividade (sexual) americana antes da Aids, e Unto de Sons, não publicado em português. Há também a publicação em formato livro de artigos para revista que escreveu que se tornaram famosos, como The Bridge e Jornada de Um Serendiptoso, que fazem parte da compilação publicada em Fama e Anonimato (Companhia das Letras).

Não por acaso, a expectativa era alta quando o autor publicou sua biografia em 2006 nos Estados Unidos. Vida de Escritor (lançada três anos depois no Brasil pela Companhia das Letras) decepcionou quem esperava por reminiscências que trouxessem detalhes iluminadores sobre o conjunto de sua obra. Foi o caso do crítico do jornal New York Times, Kurt Andersen, que malhou a obra (as traduções são minhas) como “uma saga dos fracassos profissionais, que também é um fracasso”. Segundo Andersen, Talese simplesmente fez uma recapitulação, unindo um punhado de notas, partes de escritos antigos e porções autobiográficas. E decretou “é uma mostra da inabilidade de Talese nos últimos 14 anos de encontrar uma história que ele e seu editor estivessem interessados”. Nesse sentido, o livro é a vitória pelo cansaço de Talese sobre seu editor, com o qual tinha um contrato.

Após a decepção inicial de fãs no Brasil e no mundo, talvez o tempo se incumba de revelar a importância e o ineditismo do trabalho de Talese, que mais uma vez estaria revolucionando um conceito, agora o de memórias.

Isso porque a obra revela a dificuldade de um jornalista-escritor de fora das redações de vender trabalhos criativos e com pontos de vista diferentes aos jornalistas “de dentro das redações” que, como hamsters em sua gaiolas douradas, possuem visões de mundo tristemente viciadas pelo sistema, a saber a incrível sobrecarga de trabalho que enfrentam hoje em dia, os salários cada vez mais aviltantes (que obrigam muitos a fazer dupla ou tripla jornada, além de frilas) e a eterna corrida contra o tempo.

Nesse sentido, explica-se o anticlímax da recepção da obra e talvez o gosto amargo residual que fique na boca dos jornalistas, em particular os brasileiros, ao lê-la. Se nem um ícone como Talese escapa a regra, só mesmo a esperança de Deus ser brasileiro pode nos ajudar a continuar sugerindo e recebendo nãos das redações e editoras.

Resta agora esperar pela próxima obra prometida pelo autor, a história de seu casamento de 50 anos. Considerando que ele levou mais de uma década para publicar Vida de Escritor, é hora de rezar para que ele tenha vida longa.

Monica Martinez

Livro-reportagem sobre o Dalai-Lama

07/07/2009 às 11:40 | Publicado em Resenhas | Deixe um comentário

Interessante a leitura de O Caminho Aberto: um dalai-lama na era global, lançamento da Companhia das Letras.

A obra é escrita pelo jornalista Pico Iyer, que cobre a questão tibetana há mais de 20 anos para publicações como a Time e a The New Yorker.

Confira o trecho final, um dos mais bonitos da obra:

“(…) fui visitar o dalai-lama justamente no dia em que ele soube da concessão do prêmio Nobel, em 1989. Na ocasião, ele participava de uma reunião com cientistas em um local ao sul de Los Angeles, e após saber da notícia pelo rádio e ao passar por Santa Barbara, resolvi levar-lhe meus parabéns e algumas perguntas para um entrevista. Quando cheguei à casa onde ele estava hospedado, o dalai-lama me recebeu com a característica hospitalidade e franqueza, como se fosse um dia qualquer (como creio que era), levando-me pela mão a uma sala lateral como se tivesse todo o tempo do mundo, e tendo o cuidado de olhar em torno, automaticamente, em busca de uma cadeira para me acomodar, como se fosse eu o homenageado. Ele me perguntou como deveria usar o dinheiro do prêmio e fitou-me com olhos penetrantes, visivelmente esperando uma resposta. Disse-me que às vezes achava que nunca poderia fazer o suficiente e que nada do que fazia tinha de fato alguma influência sobre os acontecimentos (preocupação presciente e de longo alcance, pois após haverem amainado a excitação e a impressão de possibilidades que o prêmio suscitava, o Tibete se encontrava a apenas dez anos de sua destruição). Disse-me que “somos nós, pobres seres humanos, que temos de fazer o esforço”, dando um passo de cada vez; e novamente, como se invocasse as palavras finais de Buda, falou de “esforço constante, esforço incansável, para perseguir objetivos claros com empenho genuíno”.

Em seguida, quando saíamos da sala, ele voltou para apagar a luz. É uma coisa tão pequena, observou, que quase não faz diferença. No entanto, não custa nada fazê-la, e talvez alguma coisa boa resulte disso, caso um número maior de pessoas se lembre desse gesto simples em um número maior de salas.

Voltei para Los Angeles em meu carro e mandei meu artigo (a um editor que não tinha grande interesse pelas ideias de um monge tibetano e que praticamente desconsiderou o texto). Tratei de cuidar de minha vida, e estive de novo com o dalai-lama alguns meses mais tarde, quando ele foi a Santa Barbara logo depois que minha casa foi destruída por um incêndio e eu perdi tudo o que tinha.

Mais ou menos 6 mil dias após aquela manhã, quando voltou a viajar até o Japão [onde o jornalista agora reside], pensei naquele simples gesto de apagar a luz. Parecia-me que em cada um daqueles 6 mil dias eu havia tido uma revelação, percebera alguma sabedoria, anotara algumas frases que lera ou meditara sobre o significado do universo, a maneira de levar uma vida melhor, a essência da alma, a irrealidade da alma. Tive mais centelhas e lampejos do que poderia ter tido durante os 6 mil anos seguintes. No entanto, agora, nesta bela manhã de outono, não consigo me lembrar de nenhum deles, exceto a tarefa simples e prática de apagar a luz. Nada de iluminação, nada de caridade universal, nem a Regra Áurea, nem a sabedoria dos tempos; apenas algo que eu podia fazer todos os dias.

Voltei para casa após ouvir o dalai-lama naquela ilha ensolarada e saí para caminhar. Fechei a porta ao sair e já ia girando a chave na fechadura quando me lembrei daquele dia distante. Abri de novo a porta e apaguei a luz”.

Iyer, Pico. O Caminho Aberto: um dalai-lama na era global. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 278-279.

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