A cidade mais alemã do Brasil

02/09/2011 às 13:58 | Publicado em Jornalismo Literário, Narrativas de Viagem, Textos de alunos, Turma do Curso de Jornalismo Literário, Turmas do Curso de Redação Criativa | 8 Comentários
O estilo enxaimel, destaque da cidade

 Pomerode é linda! A cidade foi fundada em 1861, quando algumas famílias vindas da província da Pomerânia, no norte da Alemanha, se instalaram ao longo do rio do Testo, no médio Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Quando o Campeonato Mundial de Futebol foi sediado pela Alemanha, em 2006, muitas reportagens aconteceram também nesse encanto de lugar.

 Desmembrada de Blumenau em 1959, Pomerode mantém o fascínio de uma pequena comunidade, com pouco mais de 25 mil habitantes. A forte influência alemã se preserva em seus costumes, como a dedicação ao trabalho, o respeito à fé religiosa, as sociedades de caça e de tiro, as danças folclóricas, as bandinhas e as delícias culinárias que só são encontradas na cidade.

 A arquitetura enxaimel é um destaque à parte. Nesta técnica de construção, as paredes são feitas com hastes de madeira encaixadas, sendo que os vãos resultantes são preenchidos por pedras ou tijolos. A famosa Rota do Enxaimel, o maior acervo de edificações nesse estilo fora da Alemanha, consiste de 70 casas ao longo do trajeto de paisagem bucólica, que torna o passeio pela região inesquecível.

 A maioria dos moradores fala em alemão, língua que também é ensinada nas escolas. Isso fez com que durante o último Censo, realizado em 2010, o recenseador tivesse de falar e escrever com desenvoltura o idioma para realizar bem o seu trabalho. Por isso, ela é sempre referida como a cidade mais alemã do Brasil! Muitas das pessoal da melhor idade que moram lá, aliás, falam, e muito mal!, o português. Tanto que desenvolveram um dialeto próprio, o Plattdeutsch, falado até hoje principalmente quando os mais velhos querem falar a respeito de algo que os filhos não podem saber.

 É nesse pedacinho germânico que moram meus sogros, cunhados e toda a família do lado materno do meu marido. Seu avô, Rodolpho Achterberg, e sua avó, Anna Achterberg (que dá nome a rua onde toda a sua família mora), nasceram ali e ajudaram na colonização de Pomerode. Minha sogra, Lisellotte, conta que na época da Segunda Guerra Mundial eles precisaram queimar muitos livros para fugir às perseguições feitas aos judeus. Por isso, tornaram-se luteranos. É por isso que na cidade é mais comum ver igrejas dessa religião do que católicas ou evangélicas.

 Pomerode possui um parque industrial bem diversificado, com destaque para indústrias de confecção e porcelana, como a Karsten e a Porcelanas Schmidt.

 Bem ao lado de Blumenau, a cidade recebe muitos turistas por ocasião da Oktoberfest e também no mês de janeiro, durante a Festa Pomerada, que dura o mês todinho. Se for para lá nessa época, poderá apreciar a música de bandinha tradicional, bailes, danças folclóricas e gastronomia típica. Também há concursos de culinária e competições tradicionais da antiga Pomerânia, com destaque para a Exposição Agro-Industrial. Em julho tem a Festa do Rei do Tiro Municipal e, em novembro, a da Rainha. Em alguns dos 16 clubes, as festas do Rei e da Rainha do Tiro Municipal são realizadas nos fins de semana.

 Gostosuras pomeranas

Meus sogros e minha cunhada moraram praticamente a vida toda aqui em São Paulo, com uma ida para lá por ocasião da doença da avó do meu marido. Por isso, desde sempre, pude conhecer as delícias de Pomerode: a linguiça defumada feita de maneira artesanal; a cuca alemã, bolo com farofa crocante (a receita está logo abaixo); o Strudel, torta doce, sendo a mais conhecida de maçã, o Apfelstrudel; o Mohn Brötchen, pãozinho redondo polvilhado com semente de papoula; e o Hering Brot, pão de forma com sardinha, margarina e ovo cozido.

 O prato mais tradicional é o marreco recheado, além é claro das especialidades alemãs como as salsichas e o joelho de porco. De sobremesa, a deliciosa torta de ricota. Desde que conheci a feita lá, nunca encontrei outra igual em nenhuma parte do Brasil. E olhe que tenho procurado em toda padaria que entro e até nas melhores delicatéssens paulistanas.

 Estive muitas vezes lá, por ocasião de festas que variavam de batizados, casamentos e confirmações, evento religioso protestante que ocorre por ocasião dos 15 anos do jovem e, por isso mesmo, é feita uma festa à altura da grandiosidade da ocasião, como se fosse uma festa de debutante.

 Em todas vezes, sem exceção, não me preparei para comer tanto (e ai de você se não o fizer! É pior que xingar a mãe de alguém!). Pratos típicos misturam-se a todas as especialidades de carnes de boi, porco, carneiro, frango, marreco e alguns peixes, preparadas de todas as maneiras possíveis, além de todas as guarnições existentes na face da Terra. Cerveja ou chope muito gelado e sucos e refrigerantes também. De sobremesa, um pouco de tudo que a região oferece e mais todas as gostosuras, como tortinhas de morango, bolos de todos os recheios e coberturas e, claro, para completar todas as refeições pomeranas, uma bela e grande xícara de café com leite. Café beeem fraco, que fique claro! Quando vamos para lá, durante as visitas às casas de parentes (temos de ir a todas da Rua Anna Achterberg, sem nos esquecermos de ninguém) eles nos preparam o que chamam de “café de paulista”, mais forte. Amém!

 Cuca da Lisellotte – receita legítima alemã de Pomerode

 Ingredientes

1 xícara (chá) de margarina sem sal

1 xícara (chá) de açúcar

2 ovos – bater as claras em neve

2 xícaras (chá) de farinha de trigo

1 xícara (chá) de leite

1 colher (sopa) de fermento em pó

Modo de fazer

Misture todos os ingredientes na batedeira e as claras em neve por último, até a massa ficar homogênea. Despeje na assadeira untada

 Farofa doce

 Ingredientes

1 xícara (chá) de açúcar

1 e 1/2 xícara (chá) de farinha de trigo

100 gde margarina sem sal

1 colher (sopa) de fermento em pó

Baunilha

Noz moscada

Raspas de casca de laranja

 Modo de fazer

Despeje todos os ingredientes em uma tigela e mistura com as mãos, joga por cima da massa pronta. Asse em forno pré-aquecido por 30 minutos.

Curiosidades pomeranas

  • O bairro onde a família Achterberg mora fica uns 7 Km distante do centro. O ônibus passa em três horários por lá: pela manhã, uma vez e duas à tarde. Perdeu, vá a pé. Ou de bicicleta, um meio de transporte muito comum que, nos últimos anos, vem dando lugar á motocicleta.
  • Ali perto existe uma única mercearia, daquelas à moda antiga, de secos e molhados. Por isso, o padeiro que possui padaria no centro vai até o bairro, chamado de Testo Alto, vez ou outra na semana. Ele dirige uma Kombi antiga, na qual leva de tudo um pouco. É possível também fazer encomendas antecipadas por telefone.
  • Todos os dias, às 5 horas, a “moça do leite” passa pela rua pedalando sua bike. No bagageiro, os litros e mais litros de leite tirados há poucas horas de suas vaquinhas e envazados diretamente para o consumo. Como a maioria das pessoas ainda está dormindo nesse horário, ela deixa o litro cheio em um cachepô, no murinho da varanda, e leva o vazio, devidamente limpo, esterilizado e personalizado.
  • Outro hábito dos moradores, principalmente dessa rua da nossa família, é deixar os sapatos do lado de fora e calçar um chinelo limpo para circular dentro de casa. Isso acontece porque a rua ainda não é asfaltada e, principalmente quando chove, fica tudo enlameado.
  • A maioria das casas não possui portão e um lindo jardim sempre enfeita a entrada.
  • A população é formada por praticamente 90% de pessoas loiras de olhos azuis, mas já se observa a presença de outras mais morenas.
  • A convivência é ótima e a hospitalidade, a despeito de tudo o que se fala a respeito de alemães, é muito calorosa. Se existe um pessoal para lá de animado, são os pomeranos! Tudo é motivo de festa!
  • Todos, sem exceção, ouvem a rádio Pomerode e lêem o jornal da cidade. Teve uma ocasião que fomos para lá de carro, que havíamos comprado na cidade paulista de Sorocaba, onde mora a minha família. Lá pra hora do almoço ouvimos o locutor: “Nossa cidade tem recebido turistas de várias partes do Brasil. Ontem mesmo, na praça da prefeitura (jamais dizem o nome que batiza o local), pudemos observar carros de vários lugares, tinha um inclusive de Sorocaba, interior de São Paulo”. Foi gargalhada geral, e os telefonemas dos familiares se estenderam até a noite.
  • Ah, e o sotaque! É muito bonitinho! Eles jamais pronunciam uma palavra que contenha dois erres, sempre é como se ela tivesse apenas um. O prato típico da região, por exemplo, é ‘mareco recheado e uma garafa de cerveja”… Liebelich!

 Pontos turísticos

  • A arquitetura encanta por todas as partes da cidade. Vale a pena andar a pé, de carro ou alugar charretes em frente ao Jardim Zoológico de Pomerode. A cidade é tão pequena que você não vai demorar nada! Por falar no Zoo, saiba que é um dos mais antigos do Brasil – foi inaugurado em 1932. Atualmente, mantém aproximadamente 600 animais de mais de 120 espécies.
  • Visite o Museu Pomerano, o Museu Ervin Kurt Theichmann e o grande número de construções em estilo enxaimel, todas cuidadosamente preservadas.
  • Conheça a Praça Jorge Lacerda e o Centro de Arte e Artesanato, que expõe e comercializa peças em madeira, palha, pintura em porcelana, bordado, crochê e bonecas típicas, além de geléias, licores e biscoitos caseiros.
  • Se você curte a natureza, destine um dia para visitar o Morro da Turquia, de onde se descortina uma bonita vista panorâmica de Pomerode e que é ideal para a prática de asa-delta e parapente. Outro passeio imperdível são as cascatas Cristalina e do Hauth.
  • Se você gosta de um bom chope artesanal, a dica é visitar a Cervejaria Schornstein. Fundada em junho de 2006, está sediada em um prédio tombado pelo patrimônio histórico, com cerca de 50 anos de existência. A chaminé de 30 metros de altura de tijolos maciços é sua principal referência e está na logomarca e no significado do nome da fábrica. De tão bom que é o chope feito ali, a Cervejaria Schornstein expandiu sua atuação para o mercado paulista, inaugurando uma segunda fábrica na cidade de Holambra, no interior do Estado.
  • Em Pomerode, visite o bar da fábrica, Schornstein Kneipe. Os dois locais (em Santa Catarina e São Paulo) servem petiscos tradicionais das culinárias holandesa e alemã e ainda sugerem harmonizações gastronômicas para cada tipo de chope. Além de conhecer os bares de fábrica, as pessoas têm a possibilidade de conhecer o seu processo de produção por meio de uma visita monitorada às fabricas, que inclui a degustação dos produtos – pilsen natural, pilsen cristal, weiss, pale ale, bock e imperial stout – tirados direto do tanque. Prosit!

Maria Helena Bellini, autora do texto, é aluna do curso de Jornalismo Literário ministrado pela professora Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo em agosto/setembro de 2011. A fotografia é de uma ex-aluna de graduação, Selma Tronco, que desenvolveu trabalho de conclusão de curso de Comunicação Social sobre a cidade pela FIAMFAAM.

Férias

15/04/2011 às 10:02 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

Homem:  Ah! Finalmente férias. Significa distância enorme do Projeto Acelera, inventado pelo meu maldito chefe na empresa…

Mulher:  Não se esqueça que é por causa dele que você tem férias.

Homem: Tá bom, ta bom… Esqueça o trabalho. Vamos fazer um check list. Não podemos esquecer passaportes, aliás, nenhum documento. E também os cartões de crédito. No mundo, com dinheiro e documento tudo se resolve.  O restante, damos um jeito.

Filha: Mãe!!! Vou levar o urso azul.

Mulher: Melhor não filha. Ocupa muito espaço, você se cansa e no fim sou eu que tenho que carregar.

Filha: Então não vou.

Choro da filha.

Mulher: Ta bom. Mas vai no seu colo.  Se perder  azar o seu.

Continua a mulher:

Benheee!!!!  Você pegou as passagens e as reservas?

Homem: Sim. Estão com o guia das cidades e também com as anotações de dicas dos amigos que já passaram férias lá. Sem dúvida teremos passeios e restaurantes bem interessantes para conhecer.

Vez do filho: Pai  !!!  Vou levar a espada do Jaspion.

Homem: Não pode filho. Vão confiscar no aeroporto.

Filho de novo: Mas o urso dela pode, não é? Sem a espada eu não vou.

Choro do filho.

Homem começa a ter saudades do chefe e vontade de participar do Projeto Acelera na empresa.

Homem prossegue:

Querida, já estamos atrasados. Pegue as malas de mão, as outras eu levo.

Filha repete: Mãe cadê o urso azul?

Filho repete: E a espada do Jaspion?

Mais choro.

Agora do pai e da mãe.

 Carlos Alexandre Farsura é aluno da 16ª. turma do curso de Redação Criativa ministrado pela professora Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo.

Mapa do inferno

15/04/2011 às 9:51 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

Olhei para o mapa de novo sob a fraca luz do painel do carro, estudando atentamente as linhas que desenhavam aquele labirinto de ruas. Logo me localizei. Acelerei devagar, tentando reconhecer as indicações marcadas no papel. Mas era inútil: definitivamente, o mapa não batia em nada com a realidade ao redor, e eu estava mais perdido do que cachorro em tiroteio (ou seria cego em dia de mudança?), de noite, no meio de uma cidade desconhecida, raspando os últimos litros de combustível do tanque, e paciência já esgotada.

 Sim, lá estava eu, mais uma vez deixado na mão por um mapa. Se eu tivesse que fazer uma lista com as dez coisas que mais me irritam neste mundo (e eu fiz!), com certeza constaria nela pessoas que não sabem desenhar mapas. Estaria logo abaixo do terceiro item da lista, “pessoas que usam toucas em dias quentes”, e acima de “dobradiças que rangem”.

 Nunca, nunca na vida me dei bem seguindo um mapa. Sempre falta uma ruazinha, uma viela secreta, ou a indicação de uma virada suave em algum lugar que desvia completamente o trajeto. Todos querem simplificar os mapas. Mapas, meu amigo, assim como receitas de bolo, não podem ser simplificados. Tire um item, e tudo estará perdido. Aquela ruazinha que você pensou que não faria falta levará o pobre do motorista ao desespero.

 Já passei apuros com diversos tipos de mapas, desde os mais simples, que pretendem te ajudar a chegar até a padaria da esquina, como os mais complexos, para atravessar de uma cidade a outra.

Certa vez, desenharam-me um mapa, sem brincadeira, com um traço, uma única linha atravessando a folha branca de ponta a ponta, perfeitamente desenhada com uma régua e tudo. Me animei. Deve ser fácil chegar ao lugar, é uma reta só. Pela primeira vez na vida não vou me perder de carro ao tentar chegar a um lugar desconhecido. Ledo engano, meu amigo. Aquela linha veio a ser, na verdade, um emaranhado de ruas, túneis, pontes, estradas de terra, pântanos e até uma travessia de balsa. Sim, o caminho era mais tortuoso que o autódromo de Interlagos, mas o sujeito achou por bem que uma linha daria conta do recado. Fui reclamar com o autor do mapa.

 – Você se perdeu? Mas o caminho é tão simples – disse o desgraçado.

– Simples? Fui parar no meio de uma tribo de índios no meio do Pico do Jaraguá! Eu nem sabia que havia índios em São Paulo! Índios, daqueles com cocar, arco e flecha e tanguinha.

– Ah, bem, é que estou tão acostumado com o caminho que pensei que era mais fácil.

 E lá estava eu. Tudo porque resolvi aproveitar as férias para visitar minha tia em Guaratinguetá, interior de SP. Nunca havia ido para o lugar. Para me ajudar, ela me mandou um mapa que mais parecia um retrato da nossa “presidenta” Dilma Rousseff de touca de banho. Assim que entrei na cidade, o primeiro problema: o mapa apontava que eu deveria pegar um viaduto, só não dizia que havia dois viadutos, um do lado do outro. Claro que meu senso de direção me fez pegar o caminho errado, e fui me afundando nas entranhas da cidade.

 Para minha sorte, finalmente avistei um rapaz, pedalando serelepe sua bicicleta com um bolo de feno entre os joelhos. Resolvi pedir informação. Fiz sinal de amizade e perguntei:

 – Por favor, meu bom cidadão. Preciso chegar na rua Ermelina Barata. O senhor sabe me dizer como diabos eu faço para chegar lá?

 Reproduzo a seguir a explicação do indivíduo, um exemplo de clareza, objetividade e concisão que levarei para toda vida, até que eu morra no bico de um pelicano assassino, conforme previu certa vez uma cigana.

 – O senhor faz seguinte: indo reto por essa estrada, o senhor vai ver uma bifurcação. Pega a da esquerda… Anda até passar uma fábrica de azulejo… Vira pras direita antes do riachim… Vai subir um tantim assim até virar pras esquerda antes de uma sequóia velha… Depois, entra duas direitas depois de uma padaria do lado de um orelhão quebrado… Anda uns mil metro… Aí o senhor sobe um morro, desce o morro, sobe outro morro, dá uma cambalhota e faz o contorno na rotatória onde tem uma vaca pastando… Aí o senhor vai ver uma ponte. Se o senhor cruzar a ponte, é porque errou. Então faz o seguinte, em vez de virar pras esquerda na bifurcação que eu te falei lá no começo, o senhor pega o caminho da direita, cai na estrada e anda uns quinhentos metro até chegar na rua Ermelina Barata. Facim, facim.

 Ouvi atentamente a explicação e, em vez de tentar chegar à casa de minha tia, decidi conferir se a ponte à qual ele se referiu era de madeira ou concreto. E foi assim que me perdi e virei um agricultor.

 Alexander Svelt é aluno da 16ª. turma do curso de Redação Criativa ministrado pela professora Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo.

Música

08/04/2011 às 15:04 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

Acho difícil observar parada, às vezes penso que presto mais atenção se estiver andando. Fiquei com um pouco de dor nas costas porque estava olhando em pé, escorada numa mureta, enquanto minhas amigas estavam sentadas. Ok, não sentei porque não quis. Tinha espaço.

Observei várias coisas e pessoas, e tive a mesma impressão que tenho todos os dias quando olho as pessoas na rua, nas estações ou pela janela do trabalho: que deve existir uma música “universal” tocando baixinho, mas tão baixinho, que ninguém pode escutar, apenas sentir, e, por isso, todos “dançam” em um compasso único, mesmo sem saber.

Digo isso porque observei um senhor fazendo entrega de bebidas. Olhava ele pegando os engradados de latinhas de Coca-Cola e preenchendo o carrinho, colocando os engradados em posições alternadas. Não deixava de imaginar como aquele senhor, que já deve trabalhar há muito tempo nessa função tão cansativa, não tinha tanta força para aquele trabalho, mas mesmo assim o fazia, empurrando o carrinho com as bebidas na direção do seu destino.  Talvez eu tenha tido a impressão de que ele era fraco porque usava óculos. É tão difícil ver pessoas fortes de óculos né? E olha que eu também uso e nem me acho tão fraca. Isso é culpa do Pernalonga[1].

Voltando à dança, achei estranho que ele saísse e deixasse o caminhãozinho com as portas traseiras abertas sem ninguém vigiando. Mas, na verdade, tinha muita gente olhando. Um segurança do estabelecimento estava ali perto. Bom, ficou só por alguns minutos, vestido com seu uniforme e segurando seu rádio. Saiu logo de perto. Talvez porque tenha visto tantas pessoas que achou que o lugar era seguro.

Depois de algum tempo que o senhor de óculos saiu, escutei o som das rodas do carrinho ao longe, vindo por algum caminho, que pelo som, devia ser de paralelepípedos. Sei lá.

Pensei como ele havia sido rápido. Mas aí vi que não era ele e sim outro rapaz, que me parecia menos fraco. Talvez porque não usasse óculos. E aí voltamos pra idéia da dança.

Eles seguiam o ritmo deles, de uma manhã de um sábado ensolarado.

Perto do caminhão onde eles buscavam as bebidas, outro homem, gordinho, acendeu seu cigarro, depois sentou, pegou um celular e viu que nós estávamos paradas, à toa, olhando. No mínimo, ficou se perguntando o que fazíamos olhando sem falar nada. Em algum lugar, notei que pessoas conversavam. Mas não as vi e só conseguia ouvir que falavam, sem entender o que, enquanto observava o ir e vir dos entregadores.

Enquanto isso, pessoas subiam e desciam a rua, preocupadas ou não com suas vidas, sem notar o que acontecia. Até que um rapaz de camiseta preta, oriental, subiu a rua com o olhar fixo na carroceria aberta daquele caminhão sem ninguém vigiando. Ele deve ter pensado o mesmo que eu: “que coragem deixar assim”. E esse pensamento é, com certeza, reflexo dos tempos atuais. Neura! Talvez esse seja um lugar mais seguro mesmo.

Por um instante me distrai pensando nisso, mas outro rapaz desceu correndo, foi até o lugar onde todos conversavam, e logo voltou correndo e sorrindo. Não sei o que fez ou foi fazer. Sei apenas que ele estava com um colete de lã. Que calor!

Mas aí, voltei a imaginar aquela coisa da música e da dança universal. Penso nisso todos os dias e penso como deve ser observar isso lá de cima, como se olhasse um mundo em miniatura.

Christiane Aguiar é aluna da 16ª. turma do curso de Redação Criativa ministrado pela professora Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo.


[1] A autora faz referência a um desenho animado do coelho Pernalonga, no qual o personagem, ao usar óculos, faz suas artes sem apanhar no final.

O banho

08/04/2011 às 15:02 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

Um portão se abre entre o aglomerado de construções e leva a um vão escavado no meio da cidade. Muros de quase cinco metros de altura traçam o perímetro, repelindo o caos e a existência atribulada do lado de fora. Entrar ali é como mergulhar em outra dimensão, outro mundo, outro tempo.

A configuração interna do lugar contrasta com o ambiente externo. O verde do jardim se opõe ao asfalto queimado; troncos de árvores robustas substituem postes descascados; galhos retorcidos, em vez de fios elétricos emaranhados, desenham formas; flores caídas no chão tomam o lugar do lixo espalhado displicentemente. O olhar parece ficar mais limpo.

Árvores proporcionam uma sombra agradável por quase todo o terreno. Lá fora, o sol queima impiedosamente o concreto, que não oferece abrigo. Um ar denso, úmido, preenche o local.

Um gato deita-se na grama, aproveitando um dos escassos raios solares que conseguem perfurar o teto de folhas. Lambe-se, espreguiça-se. Um grupo de meninas, todas igualmente vestidas de um branco puro, para e alisa os pelos do animal, que rola a barriga para cima para receber os afagos. O grupo fala baixo, como se com medo de macular o silêncio do jardim: o ambiente pede tons suaves de voz. Sussurram, mas podem ser ouvidas. Lá fora, em meio ao turbilhão de sons, é preciso gritar para ser percebido – a fala se dissipa tão logo deixa os lábios. Aqui, as palavras parecem ficar impregnadas no ar fresco. Quase é possível vê-las tomando forma, dançando, flutuando.

O tempo ali arrefece seu ritmo frenético e passa a transcorrer preguiçosamente, ainda que inexorável. As meninas se levantam e se vão. O gato continua ali, banhando-se de língua e de sol. E em algum lugar da mente felina brota uma ideia: é uma perfeita manhã de sábado.

Alexander Svest é aluno da 16ª. turma do curso de Redação Criativa ministrado pela professora Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo.

Gritos também expressam coragem

20/10/2009 às 8:03 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

Ela sempre grita, grita, grita e eu não entendo direito o porquê. Enquanto dou gargalhadas, ela corre derrubando quem e o que estiver pela frente.
 
Não sei se a coragem está mais nela ou em mim.
 
Tada vez que aparece uma barata na cozinha de casa a cena se repete. Ela gritando e correndo e eu gargalhando e sarcastirizando (eita, dei uma de palavrista agora 🙂
 
Quando nos defrontamos com situações indesejadas e amedrontadoras, somos embuídos de tanta coragem para fugir da situação de risco que, olhando por outro ângulo, nos superamos.
 
Toda vez que vê uma barata, minha irmã Carmenlita experimenta isso: deixa de lado a timidez e corajosamente grita, corre e foge. Ela é corajosa e expõe seus medos sem reservas. Carmen é livre!
 
Observe suas reações. Você é dotado de coragem sim. É Deus quem dá essa graça. Basta encontrá-la dentro de você.

Texto do jornalista Fernando Fantini realizado durante o 1o. Curso de Redação Criativa Avançado, ministrado por Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo de 12/9 a 10/10/9. Este texto tmbém está postado no blog  http://blog.cancaonova.com/atosefatos

Cheiro de infância

13/10/2009 às 13:46 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

Enquanto sentia o cheiro das folhas, durante o exercício, a imagem da minha infância foi passando pela minha cabeça como um filme daqueles que não nos cansamos de ver.

Lembrei-me de quando cai da janela da sala de casa, na altura de cerca de dois metros, e fui parar no meio do jardim, toda envolta pelas folhas das plantas que minha mãe cultivava. O resultado de achar que podia voar foi um braço quebrado.

Hoje o jardim não existe mais.

Eu e meus primos também cansamos de brincar de tesouro escondido no sítio de nossos pais, onde criávamos mapas e recompensas aos que descobriam os “tesouros” que guardávamos em meio ao pomar e jardim daquele imenso espaço verde.

Hoje nós brincamos de nos esconder em escritórios cinzas e nossos tesouros e nossos tesouros passaram a ser meros bens materiais.

Por quantas vezes subi no pé de amora no sítio da minha tia-avó e perdia a noção do tempo deliciando daquela pequena fruta capaz de passar mal de tanto comer.

Hoje perco a noção do tempo enfiada no trabalho e passo mal de tanto tomar café.

Voltar a infância me faz lembrar da minha inocência, de como era bom viver sem justificar cada passo, cada atitude, ser apenas criança.

Eu cresci acreditando no ser humano, pois sempre tive amor por aquele que está ao meu lado e não consigo conceber que ele seja capaz de tanta maldade, que ele seja tão cruel consigo e com o próximo.

Quero voltar a minha infância. A sentir o cheiro das plantas e sentar no colo do meu avô enquanto ele me ensinava a ler partituras e brigava comigo porque pintava o desenho fora do traço que delimitava sua forma.

O ser humano perdeu sua essência, a inocência de se alegrar com um cheiro, uma imagem, um gesto. Trocou tudo isso pelo egoísmo, pela individualidade… eu não quero esse mundo pra mim.

Quero voltar a minha infância.

Texto da estudante de jornalismo Vanessa Riboldi realizado durante o 1o. Curso de Redação Criativa Avançado, ministrado por Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo de 12/9 a 10/10/9.

Necessidade pessoal

25/09/2009 às 11:19 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

     Meu pai é uma destas pessoas que adora ir à biblioteca, talvez seja por sua influência que goste tanto de ler.
     Dias atrás me disse que foi até o Centro Cultural Vergueiro para pesquisar sobre mitologia grega. Detalhe: meu pai é serralheiro.
     Fiquei pensando, o que leva um ser humano que tem como cotidiano ferro e solda pesquisar sobre mitologia no Centro Cultural?
     Vontade de conhecer o mundo. Ele sempre foi assim, pensa em assuntos diversos e faz uma pesquisa para entender tudo sobre o tema.
     Na verdade ele pega muito no meu pé toda vez que não estou lendo algum livro. Para ele, hoje o acesso a informação é tão fácil que as pessoas não dão o devido valor.
     Lembra que, na época da ditadura, período de sua adolescência, ler livro estrangeiro era muito difícil. Muitas pessoas que viajavam para o exterior traziam manuscritos das obras, estas eram passadas aos interessados e neste empréstimo arriscado, devido ao regime militar, o conhecimento se espalhava.
     Fora a dificuldade de quando um queria se comunicar com o outro. Telefone era algo raro e caro. A saída era o famoso telefone sem fio e um ia passando ao outro que o fulano queria falar com o cicrano.
     Hoje temos facilidade para nos comunicarmos. Utilizamos celulares, e-mails, mensagens instantâneas e nem damos valor a qualidade desta comunicação tão rápida. Somos tão cobrados a estarmos sempre em contato com os outros, que não nos damos o luxo nem de fazer igual ao meu pai: poder por simples prazer entrar numa boa biblioteca, pegar um livro e se sentar, como se a cidade lá fora parasse.

Texto da estudante de jornalismo Priscilla Vierros realizado durante o 1o. Curso de Redação Criativa Avançado, ministrado por Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo de 12/9 a 10/10/9.

Receita para fazer jornalismo hoje

22/09/2009 às 16:28 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

Quantidade, variedade, pressa, precisão, especialização, tempo.

Violência, política, economia, dinheiro, cultura, globalização.

Pegue todos estes ingredientes e misture com jornalismo.

Não deixe muito tempo no forno, na cabeça, computador ou papel.

A receita não pode ser precisa. Você deve simplesmente fazer e fazer sempre o melhor com o que tem em mãos.

Sirva em jornais, revistas, internet, rádio, televisão ou celular.

Rende porções para muitas pessoas, conforme a demanda. Por isso mesmo é preciso caprichar nos ingredientes e sabores.

Boa sorte!

Texto bem-humorado e questionador da jornalista Marilia Porcari Gerciano realizado durante o 1o. Curso de Redação Criativa Avançado, ministrado por Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo de 12/9 a 10/10/9.

A vassoura

19/09/2009 às 9:31 | Publicado em Textos de alunos | Deixe um comentário

Era uma vassoura gigante… vrum, vrum, vrum… trazendo poeira e barulho para cima de mim, abafando os sons que eu realmente queria ouvir. Crianças brincando, garotos jogando bola, pássaros, cachorros… mas eu só ouvia a vassoura.

Está certo, a sua intenção era boa. Estava ali para limpar. Mas, para mim, ela se aproximava demais, mais e mais, me embalando, me embrulhando, confundindo meus sentidos.

E quando ficou bem atrás de mim, invadiu meu cérebro. Vrum, vrum, vrum!!! E caprichou na limpeza de minha cabeça… foi me fazendo esquecer todo o resto… restando somente a limpeza… vrum… vrum… vrum…

Texto da jornalista Francine Altheman  realizado durante o 1o. Curso de Redação Criativa Avançado, ministrado por Monica Martinez no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo de 12/9 a 10/10/9. Mantém o blog http://sobretanto.blogspot.com

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