Release do livro Professor de Ilusões, de Monica Martinez

16/12/2012 às 16:07 | Publicado em Autores, Literatura, Monica Martinez | 8 Comentários

Editora Prumo lança livro Professor de Ilusões, de Monica Martinez

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Romance marca a estreia da jornalista e professora universitária Monica Martinez na literatura de ficção. Obra é ambientada no mundo acadêmico e traz reflexões profundas de um professor que sente um forte impulso de se reinventar

Professora universitária e pesquisadora na área de Comunicação Social, com diversos livros acadêmicos publicados, entre eles, Tive uma ideia o que é criatividade e como desenvolvê-la, de 2010, Monica Martinez lança seu primeiro romance, Professor de ilusões, pela Editora Prumo. E é justamente em um ambiente familiar à autora, a academia, que a história se desenrola. Em sua primeira obra ficcional, Monica Martinez dá vida ao personagem Sidney, um professor universitário que, aos 44 anos, passa a refletir profundamente sobre a própria existência, e sobre sua profissão. O leitor é conduzido ao universo do denso protagonista e suas circunstâncias a partir do momento em que ele decide se reinventar.

O ensino superior em Comunicação Social é o mote da história contada pela autora, que aborda percepções observadas dentro da universidade e a transição do jornalismo para o mundo acadêmico. “Com a mudança ocorrida no cenário da área jornalística nas últimas décadas, o professor Sidney reflete um grupo significativo de profissionais criativos que encontrou na academia uma possibilidade muito interessante de dar continuidade à carreira escolhida na área de Comunicação”, afirma Monica Martinez. “Além disso, enquanto as redações enxugaram, a oferta de empregos no ensino superior se ampliou nos últimos anos, incluindo a visibilidade internacional devido ao processo de globalização acadêmico”, completa.

Como em uma autoanálise, o personagem Sidney, envolto em problemas pessoais – sofre ainda com o divórcio e com a traição da ex-mulher – e em questões da vida prática, emaranha-se em uma rede de pensamentos sobre sua insatisfação com a atual profissão: “O fato é que continuava tendo a sua frente, a cada semestre, um pelotão de alunos egressos de um sistema de educação falho, que não haviam conseguido vaga nas instituições públicas ou particulares de excelência. Falava de técnicas sofisticadas de jornalismo, para o qual havia sido treinado no doutorado, para uma plateia que não lia livros, tinha poucas referências culturais e escrevia pior que seu filho de treze anos, quando escrevia alguma coisa.”

Mas ele constata que, como diamante no cascalho, às vezes aparecia um aluno talentoso, ao qual ele perscrutava com a curiosidade que um geneticista dedicaria a uma mutação genética. “Contra todas as probabilidades — a educação falha, famílias desestruturadas, situação econômica precária, doenças físicas ou psicológicas, falta de disciplina e muitas vezes de metas –, emergia um ou outro que se destacava naquele mar de jovens. Era um mistério para ele como tinham conseguido, e um mistério ainda maior saber o que a vida reservava a estas pequenas joias que tinham escapado do sistema”, divaga o personagem.

Sidney sabia que precisava se reinventar, sentia necessidade de mudança.Tinha sido muitas coisas na vida, as mais recentes jornalista e professor, mas, insistentemente, se perguntava o que seria depois e além disso. “Sabia que não havia outra resposta que não a de escritor. Coçou a cabeça. Está certo: adorava escrever. Não via problema em ficar horas sozinho (…)”. Entre outras observações a respeito do ofício de escritor, o próprio personagem sugere a disciplina como algo fundamental para fazer a passagem do jornalismo para a literatura. “Contudo, a meu ver, os jornalistas que transitam pelas duas áreas podem contribuir com uma narrativa realista, uma vez que são treinados a observar a realidade e interpretá-la para relatá-la bem”, comenta a autora.

Monica Martinez afirma que escrever um romance foi uma experiência totalmente nova, diferente de tudo o que já tinha feito. Ela conta que sempre ficava intrigada ao ouvir grandes nomes da literatura nacional e internacional, como o colombiano Gabriel García Márquez, falar que a partir de um determinado ponto os personagens de um livro ganham vida própria. O mesmo acontece com o personagem de Professor de Ilusões: toda vez que ela planejava uma sequência, lá vinha ele conduzir seus dedos e levar a história para outro lado. Como diz o escritor português José Saramago (1922 – 2010), citado na obra, o autor precisa ter uma sensibilidade enorme para ajudar o livro a ser o que ele quer ser.

Segundo a autora, o personagem central é composto a partir de características de vários indivíduos, que foram amalgamadas ao longo do tempo por sua imaginação. Sidney é um homem contemporâneo, em trânsito, ela afirma. “Eu imagino Professor de Ilusões como uma trilogia, mas a característica inquieta de Sidney, de querer sempre mais, estará sempre com ele.”

A  orelha do livro é assinada pelo repórter José Hamilton Ribeiro. O então correspondente da revista Realidade foi o único brasileiro a cobrir a Guerra do Vietnã. O jornalista atualmente faz parte da equipe do programa Globo Rural.

Sobre a autora

Monica Martinez é doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e pós-doutorada em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente desenvolve estágio de pesquisa pós-doutoral junto à Universidade do Texas, em Austin. É docente do Programa de Mestrado em Comunicação e Cultura da Uniso, da pós-graduação em nível de lato sensu da FMU e da Associação Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL), dá aulas de jornalismo no FIAM-FAAM Centro Universitário e de redação criativa e jornalismo literário no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. É co-criadora do Núcleo Granja Viana-SP da Joseph Campbell Foundation. Como escritora, publicou Tive uma ideia – o que é criatividade e como desenvolvê-la (Paulinas, 2010), Jornada do Herói – estrutura narrativa mítica na construção de histórias de vida em jornalismo (Annablume/Fapesp, 2008), Martin Luther King (Salesiana, 2007), Gandhi (Salesiana, 2006), entre outros livros. Como jornalista, foi editora em publicações de circulação nacional, entre elas a revista Saúde.

Sobre a Prumo

Fundada por Paulo Rocco, responsável pela editora Rocco, a Prumo tem sede em São Paulo com equipe própria e independente. A linha editorial é bem diversificada, inclui títulos nas áreas de ficção, não ficção e infantojuvenil. O objetivo é oferecer ao leitor um catálogo amplo, com o melhor da literatura nacional e estrangeira, além de títulos de referência e livros atraentes para o público jovem e infantil.

Ficha técnica

Professor de Ilusões

Editora Prumo

Selo: leia

Autora: Monica Martinez

Formato: 14 X 21 cm

No de páginas: 248

ISBN: 978-85-7927-244-8

Acabamento: brochura

Preço: R$ 29,90

 Informações à Imprensa

A4 Comunicação

www.a4com.com.br

Tel: 55 11 3897-4122

Neila Carvalho – neilacarvalho@a4com.com.br

Alexandre Michelacci – alexandremichelacci@a4com.com.br

Tatiana Dias – tatianadias@a4com.com.br

Julia Saleme – juliasaleme@a4com.com.br

 

Lançamento de Professor de Ilusões, de Monica Martinez

20/11/2012 às 8:35 | Publicado em Autores, Literatura, Monica Martinez | 2 Comentários
Caros,
 
Tenho o prazer de convidá-los para o lançamento de meu novo livro de ficção, Professor de Ilusões (Prumo). Será amanhã, 21/11, quarta-feira,  das 17h30 às 22h, na Fnac Paulista (Av. Paulista, 901 – próximo à estação Brigadeiro do metrô). 
 
Agradeço desde já pela presença e divulgação.
 
Breve apresentação do livro:
 
Com um abraço,
Monica
– – – – –
Profa. Dra. Monica Martinez
Programa de Mestrado em Comunicação e Cultura
Universidade de Sorocaba – UNISO
www.twitter.com/escritacriativa
www.twitter.com/monicamartinez1
www.facebook.com/monicamartinezbr

Um manto vermelho cobre a cidade

22/06/2011 às 4:08 | Publicado em Monica Martinez | Deixe um comentário
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O texto abaixo integra o projeto 3Meia5:

25 de Maio, Um manto vermelho cobre a cidade

São 5h15. O despertador toca. Eu gosto de acordar cedo – desde que tenha ido dormir cedo. Ouço um plec – o entregador de jornais acaba de passar e jogar a edição do dia no quintal. Desço para preparar o café. Lá fora, os pássaros ainda estão silenciosos e o céu escuro não permite saber como será o dia. O aroma invade a cozinha, enquanto descasco o mamão e faço algumas torradas.

Ouço os demais despertadores da casa tocando, um por um, e os sons conhecidos de camas rangendo, portas batendo, comentários nem sempre bem humorados sendo trocados. Logo todos estão na mesa da sala, falando animada, mas brevemente, sobre o dia.

Outros plecs se seguem, de portas sendo chaveadas, portas de carro batendo, portões travando. Morar nos arredores de São Paulo tem seus charmes, mas o inconveniente da procissão matinal que segue em direção à cidade para trabalhar. Cada minuto desperdiçado em casa significa quilômetros de congestionamentos.

Mas esta manhã a cidade flui surpreendentemente bem.  Não há motoqueiros pelo chão, batidas, nem ambulâncias zunindo pelo caminho. Enquanto dirijo penso no que farei hoje. Um papelzinho deixado propositadamente no banco do passageiro ajuda a registrar as tarefas. Levei anos para desenvolver este método, que não é muito sofisticado, mas funciona bem. Logo a mente está livre para fazer haicais. O sol está surgindo e, como não chove há alguns dias, há uma camada vermelha espessa cobrindo o horizonte.

            Um manto vermelho

            A se erguer com o sol –

            Manhã de outono

Acho mágico ficar construindo histórias em 17 sílabas – embora os haicais verdadeiramente bons sejam difíceis de acontecer. Às vezes eles nascem por si mesmos, como o acima. Outros levam meses para amadurecer. Recentemente eu estava pensando numa teoria sobre a natureza dos haicais. Num primeiro nível haveria os descritivos, que sugerem uma imagem, uma situação, uma cena. Num segundo nível, mais elevado, estariam os relacionais, que sugerem de forma muito interativa uma sensação, uma lembrança, uma emoção. Quanto mais elas forem universais, mais o leitor é tocado. Para mim, os haicais mais comoventes são aqueles que falam das questões inexoráveis da vida: o nascer, a finitude e a efemeridade de tudo. E, claro, da insensatez deste nosso mundo coisa, com seu individualismo e consumismo exacerbados.

O manto vermelho vai se dispersando. “Será que os outros motoristas também o notam?”, penso. Fico algo zen, o que, por algum motivo inexplicável, me leva a pegar as pistas que fluem melhor, a me desviar dos obstáculos. Uma vez li em algum lugar que quando a gente se mantém neste estado mental é como se formasse uma redoma protetora à nossa volta. “Será que isso tem alguma evidência científica?”, é a pergunta que me ocorre.

Faz pouco tempo que descobri que amo o início do outono – eu nem prestava atenção nele. Não há as chuvas ferozes do verão, tampouco o frio do inverno ou a secura do começo da primavera. Deve ser a tal da sabedoria que, dizem, surge depois que a gente faz 40 anos. Não me sinto particularmente mais sábia em nada, contudo. Ao contrário. A cada dia descubro que sei menos do que gostaria ou deveria saber. O outono é lindo também por que logo o período letivo se encerrará. Mais uma vez. Logo outros alunos chegarão em ondas, sempre da mesma idade, 17, 18 anos.

Me ocorre que nunca tive o sonho de ser professora. Escrever sim, tanto que fui jornalista daquelas de redação por mais de 20 anos. Ainda me lembro da confusão das redações, das pretinhas — as teclas das máquinas de escrever –, com seu barulho característico e os copos descartáveis de café frio ao lado que iam sendo sorvidos aos poucos. Mas ser professora foi algo que a vida me levou a ser, de mansinho. No começo eu achava que era algo transitório. Hoje não sei mais. A cada dia, contudo, sinto uma imensa gratidão aos alunos. Por algum motivo inexplicável, ensinar me humanizou. E também me fez descobrir onde acaba minha paciência…

O sol se ergue de vez. Ligo o rádio e tudo volta ao normal, com as notícias das barbaridades que são cometidas, todos os dias, há milênios. Suspiro. Felizmente, em algumas horas, estarei no meu quilo japonês favorito.  As melhores coisas da vida, vamos descobrindo pelo caminho, são as mais simples.

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Monica Martinez é jornalista, pesquisadora da área de Comunicação Social, professora universitária, haicaista e, a cada dia mais, escritora.

Para ler os demais textos, clique aqui.

Honra teu pai, de Gay Talese: uma história de pais e filhos

09/06/2011 às 10:53 | Publicado em Gay Talese, Jornalismo Literário, Livros | Deixe um comentário

Um dos livros mais marcantes para mim foi O Poderoso Chefão, de Mário Puzzo. Talvez porque fosse um livro para adultos que eu, na época, não deveria estar escondendo em caixas de sapato debaixo da cama para lê-lo à noite, depois que todos fossem dormir. Talvez porque é bem escrito. Talvez porque seja sobre descendentes de italianos, como eu. Talvez simplesmente porque eu goste de ler. Eu não sei o motivo, mas sei que senti a mesma sensação de estar diante de uma grande obra ao ler Honta Teu Pai, de Gay Talese, lançado este ano pela Companhia das Letras (a edição anterior, de 1971, chamada Honrados Mafiosos, só podia ser garimpada em sebos).

Mas é um livro diferente. Mais do que contar a história das vendetas dos imigrantes sicilianos que foram para os Estados Unidos, a obra é um tratado sobre a relação entre pais e filhos.

O protagonista, Bill, é filho de Joseph Bonanno, que controlava uma das cinco famílias de Nova York. Em vez de integrar-se à sociedade, como os demais integrantes da geração nascida na América, ele opta por manter-se nos, digamos, negócios escusos do pai. É por meio dos reveses que Bill enfrenta que acompanhamos o ocaso da Máfia naquele país. Tudo no melhor estilo de Jornalismo Literário.

O curioso é que o livro já adianta uma tendência que o escritor estadunidense Gay Talese adotaria: ao invés de dedicar-se às celebridades no auge da carreira, ele sempre deu preferência aos personagens que estão no ocaso ou em momentos difíceis da vida.

Hoje, quase 80 anos, Gay Talese dedica-se à escrever a história de seu matrimônio com a editora Nan.

Texto: Monica Martinez
Foto: divulgação.

Abaixo, o trecho inicial do livro, divulgado pela Companhia das Letras.

Trecho

parte I
o desaparecimento

1.
Os porteiros de Nova York sabem que uma pessoa pode ver demais e por
isso a maioria deles adquiriu uma extraordinária capacidade de visão seletiva:
sabem o que devem ver e o que ignorar, quando é conveniente ser bisbilhoteiro
ou, ao contrário, displicente; se ocorrem acidentes ou discussões bem na
frente de seus edifícios, a maior parte das vezes estão lá dentro e nada veem; e,
quando ladrões fogem pelo saguão, quase sempre estão procurando um táxi
para alguém. Um porteiro pode desaprovar suborno ou adultério, mas, ainda
assim, está invariavelmente de costas quando o síndico passa uma propina ao
fiscal do Corpo de Bombeiros, ou quando um morador cuja mulher está fora
entra com uma moça no elevador. Não pretendo com isso acusar os porteiros
de hipocrisia ou covardia, mas tão somente dar a entender que eles sabem
perfeitamente, por instinto, que é bem melhor não se meter, e conjecturar que
talvez eles tenham aprendido, pela experiência, que a pessoa não ganha nada
por ser testemunha ocular das coisas feias da vida ou das loucuras da cidade.
Sendo assim, não é de estranhar que na noite em que Joseph Bonanno, um dos
chefes da Máfia em Nova York, foi agarrado por dois capangas diante de um
luxuoso edifício de apartamentos na Park Avenue, perto da rua 36, pouco depois da meia‑noite de uma chuvosa terça‑feira de outubro, o porteiro estivesse conversando com o ascensorista no saguão e nada tivesse visto.

Tudo aconteceu com incrível rapidez. Voltando de um restaurante, Bonanno
desceu de um táxi depois de seu advogado, William P. Maloney, que
saiu correndo na frente, sob a chuva, para resguardar‑se embaixo do toldo.
Nesse momento, os pistoleiros surgiram da escuridão, puxando Bonanno pelos
braços em direção a um automóvel. Bonanno tentou se livrar, mas não
conseguiu. Encarou os homens, furioso e perplexo — desde o tempo da Lei
Seca não era tratado com tanta brutalidade, e daquela vez quem o maltratara
fora a polícia, porque ele se recusara a responder a certas perguntas. Desta vez
estava sendo brutalizado por homens de seu próprio mundo, dois grandalhões
de sobretudo e chapéu preto, um dos quais lhe disse: “Vamos, Joe, meu chefe
quer ver você”.

Bonanno, um homem vistoso e grisalho, de 59 anos, nada respondeu.
Saíra naquela noite sem guarda‑costas e desarmado, e mesmo que a avenida
estivesse cheia de gente não teria pedido socorro, pois considerava aquilo um
assunto pessoal. Tentou recuperar a dignidade, pensar com clareza enquanto
os homens o conduziam pela calçada, os braços já dormentes por causa
da força com que os apertavam. Tremia sob a chuva fria e o vento, sentindo‑a
penetrar através do terno de seda cinza, e nada enxergava na neblina
que tomava conta da Park Avenue, exceto as lanternas de seu táxi, que desaparecia na direção do Central Park, nem nada ouvia além da respiração
ofegante dos homens que o puxavam. De repente, às suas costas, Bonanno
escutou os passos rápidos e a voz de Maloney, que gritava: “Ei, que diabo
está acontecendo?”.

Um dos pistoleiros virou‑se e avisou: “Deixe para lá, volte!”.

“Vão embora”, respondeu Maloney, ainda correndo. Era um homem de
sessenta anos, de cabelos brancos, e agitava os braços. “Ele é meu cliente!”
Uma bala de automática foi disparada para o chão, perto de Maloney. O
advogado parou, recuou e por fim escondeu‑se na entrada de seu edifício. Os
homens empurraram Bonanno para dentro de um sedã bege estacionado na
esquina da rua 36, com o motor ligado. Bonanno deitou‑se no chão, como lhe
havia sido ordenado, e o carro partiu em direção à avenida Lexington. Foi
então que o porteiro foi ter com Maloney na calçada, chegando tarde demais
para ver qualquer coisa. Posteriormente declarou que não tinha escutado tiro
nenhum.

* * *
Bill Bonanno, um homem alto e corpulento de 31 anos, cujo cabelo escuro
cortado à escovinha e a camisa de colarinho abotoado indicavam o universitário que ele fora na década de 1950, mas com um bigode recém‑cultivado para ajudar a ocultar sua identidade, estava num apartamento escassamente mobiliado do Queens. Escutou com atenção a campainha do telefone. Mas não atendeu.

O telefone tocou mais três vezes, parou, tocou novamente e parou. Era o
código de Labruzzo. Ele devia estar numa cabine telefônica, dando sinal de
que retornara ao apartamento. Ao chegar ao edifício, Labruzzo repetiria o sinal
na campainha do saguão e o jovem Bonanno apertaria outra campainha
para soltar a tranca da porta. Depois Bonanno esperaria, de arma em punho,
olhando pelo olho mágico para ter certeza de que era Labruzzo quem saía do
elevador. O apartamento mobiliado que os dois homens dividiam ficava no
último andar de um edifício de tijolinhos num bairro de classe média e, como
a porta do apartamento dava para o fim do corredor, podiam observar todos
os que entravam e saíam do único elevador, sem ascensorista.
Essas precauções estavam sendo tomadas não somente por Bill Bonanno
e Frank Labruzzo, mas também por dezenas de outros membros da organização
de Joseph Bonanno, que durante as últimas semanas vinham se escondendo
em apartamentos semelhantes no Queens, no Brooklyn e no Bronx. Era
uma época de tensão para todos eles. Sabiam que a qualquer momento poderia
ocorrer um confronto com quadrilhas rivais, dispostas a matá‑los, ou com
agentes do governo, que desejavam prendê‑los e interrogá‑los a respeito dos
boatos de vendetas e conspirações violentas que circulavam pelo mundo do
crime. O governo havia concluído recentemente, em grande medida com base
em informações obtidas através de telefones grampeados e dispositivos eletrônicos, que até mesmo os chefões da Máfia estavam envolvidos nessa dissensão interna, e que Joseph Bonanno, chefe poderoso havia trinta anos, era o pivô da controvérsia. Outros chefes suspeitavam que ele era demasiado ambicioso ou que desejava aumentar — às custas deles, talvez sobre seus cadáveres — a influência que já exercia em várias partes de Nova York, do Canadá e do sudoeste dos Estados Unidos. A recente promoção de seu filho, Bill, ao terceiro posto da hierarquia da organização também era vista com alarme e ceticismo por alguns líderes de outras organizações, bem como por membros da própria organização Bonanno, que reunia cerca de trezentos homens no Brooklyn.

No mundo do crime, Bill Bonanno era visto mais ou menos como um
tipo excêntrico, um privilegiado que havia estudado numa escola secundária
e numa universidade particulares, cujas atitudes e métodos, embora não deixassem de revelar coragem, tinham alguma coisa do espírito rebelde de um
ativista universitário. Parecia impaciente com o sistema, não se impressionando com as maneiras indiretas e a finesse do Velho Mundo que faziam parte da tradição da Máfia. Dizia o que pensava. Não mudava de tom ao se dirigir a um mafioso mais graduado e não perdia a autoconfiança juvenil nem mesmo quando usava o anacrônico dialeto siciliano que aprendera quando menino, com o avô, no Brooklyn. O fato de medir 1,88 metro, pesar mais de noventa quilos e ter uma postura ereta e raciocínio rápido aumentava bastante a impressão que causava com sua presença e conferia substância à alta opinião que fazia de si mesmo — a de que era igual ou melhor que qualquer um dos homens a que estava ligado, com a possível exceção de seu pai. Perto dele, Bill parecia perder um pouco de sua segurança, tornando‑se mais calado, hesitante, como se o pai estivesse testando severamente cada uma de suas palavras e pensamentos. Parecia distante e formal em relação ao pai, não tomava mais liberdades do que teria com um estranho. Mas era também atento às necessidades do pai, parecendo ter muito prazer em agradá‑lo. Era evidente que o pai lhe infundia muita admiração e respeito e, embora sem dúvida ele o tivesse temido quando criança (e talvez ainda temesse), também o adorava.
Durante as últimas semanas, em nenhum momento ele estivera longe de
Joseph Bonanno, mas na noite anterior, sabendo que o pai queria jantar sozinho com seus advogados e dormir no apartamento de Maloney, Bill Bonanno passou uma noite tranquila no apartamento com Labruzzo, vendo televisão, lendo os jornais e esperando uma comunicação. Sem que soubesse exatamente por quê, estava meio nervoso. Talvez uma das razões fosse a matéria que lera no Daily News, segundo a qual a vida para os mafiosos estava cada vez mais perigosa e que o velho Bonanno planejara, pouco tempo atrás, o assassinato de dois chefes rivais, Carlo Gambino e Thomas (Brown Três‑Dedos) Lucchese, plano que teria falhado porque um dos pistoleiros traiu Bonanno e avisou uma das vítimas. Mesmo que isso fosse pura invencionice, baseada talvez em conversas captadas pelo fbi entre subalternos da Máfia, Bill estava preocupado com a publicidade dada ao assunto, pois sabia que aquilo poderia intensificar a suspeita que realmente existia entre as várias quadrilhas que controlavam a contravenção (jogos de azar, corretagem de apostas em cavalos, agiotagem, lenocínio, contrabando e venda de proteção). Poderia ainda despertar protestos de políticos, provocar uma vigilância mais rigorosa da polícia e resultar em maior número de intimações dos tribunais.

A intimação judicial era agora mais temida do que anteriormente no mundo
da contravenção devido a uma nova lei federal segundo a qual um suspeito
teria de depor quando chamado a fazê‑lo, desde que o tribunal lhe concedesse
imunidade, ou se arriscaria a uma condenação por desacato à justiça.
Isso tornava imperativo que os homens da Máfia se mantivessem pouco visíveis para evitar intimações a cada vez que os jornais noticiavam alguma coisa.

A nova lei também dificultava que os líderes da Máfia controlassem os passos
de seus homens, pois, como tinham de ter muito cuidado, nem sempre estavam
onde deveriam estar na hora marcada para cumprir alguma missão; muitas
vezes não conseguiam receber, em cabines telefônicas designadas e em horários precisos, comunicações combinadas com seus chefes que desejavam saber como iam as coisas. Numa sociedade secreta em que a precisão era fundamental, o novo problema das comunicações estava acabando com os nervos já tensos de muitos chefes.

Mais progressista do que a maioria das outras “famílias”, devido aos métodos
empresariais modernos adotados pelo jovem Bonanno, a organização
Bonanno até certo ponto resolvera o problema de comunicação mediante um
código de número de toques de campainha e também com a utilização de
um serviço de recados telefônicos. A família Bonanno talvez fosse a única a
usar esse tipo de serviço. O contrato fora feito em nome de um fictício sr.
Baxter, codinome de Bill Bonanno, e estava ligado ao telefone da casa de uma
tia solteira de um dos membros da organização, que mal falava inglês e era
quase surda. Durante todo o dia vários membros chamavam o serviço e se
identificavam por meio de codinomes, deixando mensagens cifradas com as
quais confirmavam que estavam bem e que os negócios seguiam normalmente.
Uma mensagem com a sigla ibm — “aconselho que você compre mais
ibm” — significava que Frank Labruzzo, que já trabalhara para a ibm, estava
entrando em contato. Se a mensagem falava em “monge”, identificava outro
membro da organização, um homem de cabeça tonsurada que muitas vezes
ocultava sua identidade em público usando um hábito de frade. Qualquer referência a “vendedor” indicava um dos capitães de Bonanno que trabalhava
também como vendedor de joias, e “flor” designava um pistoleiro cujo pai era
florista na Sicília. “Sr. Boyd” era um membro cuja mãe morava na rua Boyd,
em Long Island, e uma referência a “charuto” identificava certo membro que
estava sempre com um charuto na boca. Joseph Bonanno era conhecido no
serviço de recados como “sr. Shepherd”.
Frank Labruzzo tinha saído do apartamento que dividia com Bill Bonanno
a fim de ligar para o serviço de recados de um telefone público nas vizinhanças,
e também para comprar os vespertinos, para saber se havia acontecido
alguma coisa de especial. Como de costume, saiu com seu cão, que ficava
com eles no apartamento. Bill Bonanno tinha sugerido que todos os membros
da organização que se achavam escondidos tivessem cachorros nos apartamentos.
Embora no começo isso lhes tornasse difícil conseguir alojamentos,
uma vez que alguns senhorios faziam objeção a animais, mais tarde os homens
concordaram que um cão os tornava mais alertas a sons nos corredores, além
de ser um companheiro útil quando tinham de sair — um homem com um
cachorro despertava poucas suspeitas na rua.
Bonanno e Labruzzo gostavam de cães, o que era uma das muitas coisas
que tinham em comum e contribuíam para viverem bem no pequeno apartamento.
Frank Labruzzo era um homem calmo e bonachão de 53 anos, um
tanto atarracado, que usava óculos e cujo cabelo escuro começava a branquear. Era membro graduado da organização de Joseph Bonanno, de quem era parente afim — a irmã de Labruzzo, Fay, era casada com Joseph Bonanno e mãe de Bill Bonanno; além disso, Labruzzo estava ligado ao sobrinho de uma
maneira diferente do pai. Não havia entre os dois nenhuma tensão, nenhum
problema de competição, de ciúme. Labruzzo, que não era movido por uma
avassaladora ambição pessoal, nem era impetuoso como Joseph Bonanno ou
inquieto como o filho, contentava‑se com sua posição secundária no mundo,
que via como um lugar muito maior do que qualquer um dos dois Bonanno
parecia julgar que fosse.
Labruzzo tinha feito curso superior e se dedicara a várias ocupações, nenhuma
por muito tempo. Além de trabalhar para a ibm, administrara uma loja,
vendera apólices de seguro e fora agente funerário. Em certa época possuíra,
em sociedade com Joseph Bonanno, uma agência funerária no Brooklyn, per-
to do quarteirão onde nascera, no centro de um bairro em que milhares de
sicilianos haviam se instalado no começo do século. Fora ali que o velho Bonanno cortejara Fay Labruzzo, filha de um próspero açougueiro que fabricara vinho durante a Lei Seca. O açougueiro orgulhou‑se de ter Bonanno como genro, embora a data do casamento, em 1930, tivesse de ser adiada por treze meses devido a uma guerra entre centenas de sicilianos e outros italianos recém‑chegados — entre os quais Bonanno — que davam continuidade a desavenças provincianas, transplantadas para os Estados Unidos, mas que tinham origem longínqua nas antigas aldeias montanhesas que só haviam abandonado fisicamente. Esses homens trouxeram para Nova York suas velhas rixas e costumes, suas amizades, medos e suspeitas tradicionais, e não só se consumiam nessas coisas como as transmitiam aos filhos e, às vezes, aos filhos dos filhos. E entre tais herdeiros havia homens como Frank Labruzzo e Bill Bonanno, que, em meados dos anos 1960, uma época de foguetes e viagens espaciais, travavam ainda uma guerra feudal.

Aos dois homens parecia absurdo e extraordinário que nunca tivessem
conseguido escapar aos costumes estreitos do mundo de seus pais, tema que
haviam discutido durante as muitas horas de confinamento, analisando‑o em
geral em tons de brincadeira e despreocupação, embora às vezes com tristeza
e até amargura. “É, somos vendedores de rodas de carroças”, dissera Bonanno
uma vez, suspirando, e Labruzzo concordara: eram homens modernos, mas
perdidos no tempo, alimentando velhos rancores. Isso era estranho sobretudo
no caso de Bill Bonanno: deixara o Brooklyn ainda muito jovem para estudar
em internatos do Arizona, sendo criado fora da família, aprendendo a montar
a cavalo e a ferrar gado, saindo com moças louras, filhas de fazendeiros; mais
tarde, como estudante na Universidade do Arizona, comandara um pelotão de
cadetes do rotc que hasteava a bandeira americana a cada jogo de futebol,
antes da execução do hino nacional. O fato de ter subitamente trocado o ambiente universitário pelo precário mundo de seu pai em Nova York devia‑se a uma série de bizarras circunstâncias, talvez fora de seu controle, talvez não.

Um passo importante para isso fora decerto seu casamento, em 1956, com Rosalie Profaci, uma bela morena de olhos escuros, sobrinha de Joseph Profaci, o importador milionário que era também membro da comissão nacional da Máfia. Bill Bonanno conheceu Rosalie Profaci quando ela era ainda muito jovem
e estudava com a irmã numa escola conventual no estado de Nova York. Na-
quela época tinha uma namorada no Arizona, uma moça americana descontraída e um tanto rebelde; embora Rosalie fosse atraente, era também recatada e reservada. Os dois encontraram‑se muitas vezes, durante os meses de verão e nas férias, em grande parte por causa de seus pais, que eram amigos íntimos e cuja aprovação era expressada de maneiras sutis, sempre que Rosalie e Bill conversavam ou simplesmente sentavam‑se um perto do outro em salas
com muita gente. Numa grande reunião de família, meses antes do noivado,
Joseph Bonanno levou sua filha Catherine, de 21 anos, para um canto e lhe
perguntou o que pensava da possibilidade de Bill vir a se casar com Rosalie.
Catherine Bonanno, uma moça de espírito independente, pensou um momento
e respondeu que pessoalmente gostava muito de Rosalie, mas não julgava
que ela fosse a moça indicada para Bill. Faltava‑lhe a necessária firmeza
de caráter para aceitar Bill como ele era e poderia vir a ser, disse, e estava prestes a dizer mais alguma coisa quando, de repente, sentiu um forte tapa no
rosto. Caiu para trás atônita, perplexa, rompeu em lágrimas e saiu correndo.

Nunca vira o pai tão furioso, com os olhos fuzilando daquela maneira. Mais
tarde ele tentou consolá‑la, desculpar‑se a seu modo, mas ela se manteve distante durante dias, embora entendesse agora, como não tinha percebido antes, o desejo do pai de que o casamento se realizasse. Era um desejo compartilhado pelo pai e pelo tio de Rosalie. E se concretizaria no ano seguinte, um acontecimento que Catherine Bonanno sempre encararia como um casamento arranjado pelos pais.

A cerimônia, em 18 de agosto de 1956, foi espetacular. Mais de 3 mil convidados compareceram à recepção na sala de baile do Hotel Astor, em Nova
York, depois da cerimônia religiosa no Brooklyn, e nenhuma despesa foi poupada para abrilhantar a ocasião. Para o baile foram contratadas orquestras de fama e artistas como os Four Lads e Tony Bennett. Um distribuidor de bebidas do Brooklyn mandou de presente um caminhão de champanhe e vinho;
vieram da Califórnia, pela Pan American, milhares de margaridas, a flor predileta de Rosalie e que na época não havia em Nova York. Além de homens
de negócios convencionais, políticos e religiosos, a lista de convidados incluía
todos os chefes da contravenção. Lá estavam Vito Genovese e Frank Costello,
que pediram e receberam mesas discretas junto à parede. Lá estava Albert
Anastasia (que no ano seguinte seria assassinado na barbearia do Hotel Park-
-Sheraton), bem como Joseph Barbara, cuja recepção para quase setenta…

Profissão Herdeiro

02/08/2010 às 10:15 | Publicado em Autores | Deixe um comentário

Vale a pena conferir a matéria da Revista Época sobre a questão dos herdeiros e o mercado editorial:

16/07/2010 17:42
Profissão: herdeiro
Por que as famílias de escritores se ocupam em dificultar o legado de obras como as de Oswald e Graciliano
Norma Couri

Famílias, eu vos detesto. A antologia que acaba de sair na França com esse título é uma coleção de casos vividos por Emmanuel Pierrat, especialista em propriedade intelectual. O que pode ser pior para um fã de Jorge Luis Borges do que não encontrar suas obras pela coleção Pléiade porque a reedição foi bloqueada pela viúva do autor, Maria Kodama? E a frustração dos leitores de Jean Giono que não poderão ler as 3 mil páginas de sua correspondência com a amante Blanche Meyer, proibida pelos sucessores? 

Freud já estudava as lutas familiares depois da morte do pai e o impulso de retomar o lugar vago. Não acontece apenas no terreno psíquico nem só na França. O bibliófilo José Mindlin dizia que familiares de escritores deviam ostentar no cartão de visita a profissão “herdeiro”. Não é justo colocar no papel do carrasco apenas as famílias. O próprio Pierrat reconhece que editoras são especialistas em ultrapassar limites. Na guerra travada por trás das estantes, o leitor nem desconfia por que esse ou aquele autor evaporou-se de repente. 

Agora que Pagu revive com uma fotobiografia e exposição na Casa das Rosas, em São Paulo, um lado da família cuida de não respingar na mítica avó nenhum petardo da batalha travada pelos herdeiros do ex-marido de Patrícia Galvão, Oswald de Andrade. Filho dos dois, Rudá de Andrade morreu em janeiro de 2008 como inventariante, mas Marília, filha de Oswald com sua última mulher, Antonieta, disse a ÉPOCA que agora ocupa essa função. Marília exige 75% dos direitos autorais e de publicação, porque assume os 50% da mãe, que se suicidou, e os 25% do único irmão, Paulo Marcos, morto num desastre. Dos muitos casamentos de Oswald nasceram quatro filhos: os dois de Antonieta, o primogênito, Nonê, casado com Adelaide, ainda viva, e Rudá, casado algumas vezes, com três herdeiros. A obra do genial Oswald passa por esse intrincado labirinto familiar, já que a viúva de Rudá, Halina Kocubej, e seu filho Rudazinho foram surpreendidos com um testamento de Oswald encontrado por Marília legando 50% dos direitos a sua mãe. 

“Minha tia derrubou um triunvirato de 40 anos – meu pai, Adelaide e ela dividiam tudo”, diz Rudazinho. “Meu pai reviveu Oswald na Editora Globo na década de 1990. Mas agora meus irmãos Gilda e Cláudio, de seu primeiro casamento, estão ao lado da minha tia, contra mim e minha mãe. Não nos falamos, os contratos ficam truncados, implicam até com o inventário da Pagu. As obras vão sumir, a gente não pode deixar que aconteça com Oswald o que aconteceu com Graciliano e Lobato.” 

Por mais de 60 anos, um impasse judicial impediu novas edições das obras de Monteiro Lobato

A pesquisadora Maria Eugênia Boaventura, autora da bela biografia de Oswald, O salão e a selva, lastima a remexida num inventário que não fechou. “Desde a morte de Oswald se sucedem gerações de filhos de várias mulheres que não se entendem e pouco conviveram com ele – em 1954, Marília tinha 8 anos”, diz. “Só se reedita o que constava no contrato. A biografia do Oswald seria inviável hoje.” 

Graciliano morreu um ano antes de Oswald. A família em pé de guerra levou mais de 50 anos para fechar o inventário. Os filhos da herdeira Heloísa, Clara e Ricardo, brigavam entre si e não se entendiam com a mãe e a irmã mais velha, Luiza, casada com James, irmão de Jorge Amado. Clara e Ricardo morreram em 1992 sem se falar. A inventariante passou a ser a filha de Clara, a psiquiatra Luciana Ramos, hoje com 54 anos. 

“A família se desagregou quando eu tinha 10 anos. Quando fiz 18, minha mãe rompeu com a mãe dela, minha avó Heloísa, viúva de Graciliano. Uns ficaram de um lado, outros partiram para a briga, e eu lutei para criar um instituto em que todo mundo opinasse, mas não deu certo”, diz Luciana Ramos. “Vovô tinha filhos do primeiro casamento que eram desprezados pela vovó, a segunda mulher. Quando tomei pé da situação, discordei dos pagamentos da Record. Foi muita disputa, até tia Luiza fazer uma sociedade. Fui a única que não entrou, a editora tem de me pedir permissão para tudo. Havia interesse de estrangeiros em filmar a obra do vovô e um projeto de memorial pelo Niemeyer. A confusão familiar impediu contratos importantes. A briga é para ser a encarnação do vovô na Terra.” 

Marília de Andrade
A filha de Oswald de Andrade exige 75% dos direitos autorais das obras do pai. A descoberta de um testamento gerou uma disputa entre os herdeiros

Luiza Ramos Amado
Única filha de Graciliano Ramos, gere uma empresa com 14 membros criada para administrar os direitos da obra do pai

O ponto final das disputas foi a empresa HG (Herdeiros de Graciliano), com 14 membros, gerida de Salvador por Luiza Amado, de 78 anos, única filha viva, e Ricardo, filho do irmão que morreu. Ela sempre contestou a acusação da irmã Clara de que Ricardo teria publicado o original errado de Memórias do cárcere, já que Graciliano revisava seus textos à mão na mesa cativa da Livraria José Olympio. Clara publicou um livro, Cadeia, contestando a edição póstuma, e desuniu mais a família. Bastava ler o próprio Graciliano para aceitar os múltiplos originais encontrados depois de sua morte. Numa entrevista concedida em 1948 ele explicava: “Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”. 

Luiza diz que a origem da acusação de Clara era um suposto recado do Partido Comunista para Graciliano alterar o livro: “Se o PCB pediu, garanto que papai nunca obedeceu. Usamos o último original revisado. Os livros já saem pela Record há mais de 30 anos, e refiz o contrato por mais dez, porque assim posso controlar as edições e cuidar de que não falte livro nas prateleiras”. 

Em 2023, os livros de Graciliano cairão em domínio público. A lei determina que a família detenha os direitos por 70 anos depois da morte. Até lá, a editora é a Record. “A Record tem casos de sucesso em herança literária”, e a fórmula, segundo o editor Sérgio Machado, é: “Não entramos no mérito das disputas familiares”. Ele afirma que um bom herdeiro deveria fazer tudo para não desvalorizar o patrimônio, como um prédio mal administrado que só traz prejuízo: “Herdeiro tem complexo de culpa original por receber um dinheiro que não foi ganho por ele. Até o neto da Agatha Christie me disse que pretendia posicionar a avó melhor no mercado com um logotipo feito por ele… Claro que uns herdeiros são gerenciáveis e outros vão ao limite da inviabilidade”. 

Machado afirma que o editor é um psicólogo de plantão. “Até para avisar que o troca-troca de editora desgasta o autor”, diz. Uma vez Paulo Coelho avisou que trocou de editora porque recebeu “um sinal”, simbolizando o além, e Machado, se fazendo de desentendido, perguntou: “Um sinal de quanto?”. Mas há situações em que a troca é necessária, quando um editor adota uma política suicida e mata o autor junto. “É o caso do Monteiro Lobato, que perdeu duas gerações de leitores”, diz. 

Se o pesquisador Vladimir Sachetta não tivesse publicado em 1997 a excelente biografia Furacão na Botocúndia, seriam mais de quatro gerações sem conhecer Lobato. O contrato foi fechado pelo próprio Lobato com a editora Brasiliense três anos antes de sua morte, em 1948, quando a obra completa foi publicada. Depois, nunca mais. A disputa entre a editora e a única neta viva, Joyce, junto com o marido, Jorge Kornbluh, sacrificou Lobato com arrestos de edições inteiras publicadas sem o consentimento de herdeiros e discordâncias sobre que ortografia adotar: a dos anos 40 ou a nova ortografia? Em 2007, mais de 60 anos depois, a família conseguiu levar a obra para a Editora Globo (a mesma que edita ÉPOCA). Da confusão, Danda Prado, editora da Brasiliense, limita-se a dizer: “Herdeiros são muito complicados”. O editor da Globo hoje, Mauro Palermo, lastima que durante dez anos Lobato tenha sumido do mapa, “até de edições do tipo que reunia os 100 melhores”. 

Eduardo Tess Filho
Neto de Aracy, segunda mulher de Guimarães Rosa, chama o escritor de “vovô Joãozinho”. Rosa legou a Aracy os direitos de Grande sertão: veredas

“Depois que passou para a Globo, Lobato foi reoxigenado”, diz Sachetta, o maior conhecedor das obras. “No ano seguinte, Il presidente Nero saiu na Itália pela Controlucce, e a Argentina acaba de lançar Las travessuras de Naricita, com prefácio de Cristina Kirchner, que agradece a ‘Naricita y Perucho, a Emilia y el Visconde, a Anastásia y doña Benita’ por alimentar seus sonhos e utopias.” Prova de que valeu a pena a aposta da então editora de livros infantis da Globo, Lúcia Machado. Ela trabalhou para lançar de uma vez cinco títulos na Bienal. “Foi risco calculado porque o contrato ainda vingava na Brasiliense”, diz Lúcia. “Quadrinizamos alguma coisa, arrumamos outras, em menos de dois anos tínhamos vendido 2 milhões de livros.”Ainda faltavam 14 anos para a obra de Monteiro Lobato cair em domínio público, e essa era a preocupação dos herdeiros. “Tínhamos de deixar a obra arrumada”, diz Kornbluh. 

“Não chegaremos a saber nada da nossa própria morte”, dizia José Saramago. Quando Guimarães Rosa morreu, em 1967, não imaginava que sua obra seria gerida por alguém que não tem seu sangue, embora carregue um bom quinhão da mulher que ele mais amou. Eduardo Tess Filho é neto de Aracy Guimarães Rosa, segunda mulher com quem se casou enquanto era embaixador em Hamburgo. Foi para “Ara” que ele deixou os direitos de sua obra mais conhecida, Grande sertão: veredas. Os direitos de livros como Sagarana e Corpo de baile são divididos entre Aracy, hoje com 102 anos, e as filhas do primeiro casamento, Vilma e Agnès. “A operação não foi simples,” diz o advogado Tess, que chama Rosa de “vovô Joãozinho”. “O inventário durou 15 anos com idas e vindas. Para fechar, vovó abriu mão de uma parte e formamos um condomínio para a obra não sofrer descontinuidade.” 

Vilma Guimarães Rosa torce o nariz. “O ‘neto’ cria problemas, eu não surrupiei os diários de guerra do meu pai… Ele diz que pedi emprestado à avó dele e nunca devolvi. Mentira, papai me deu no meu aniversário, e um dia pretendo publicar as 208 páginas…” A disputa mantém os originais arquivados. Vilma insiste: “Não somos nós, eu e minha irmã, Agnès, as donas do nome e da imagem de Guimarães Rosa?”. Na antologia dos 100 melhores da Objetiva, Rosa também ficou de fora. O “condomínio” ou parte dele teria exigido R$ 20 mil pela publicação de um conto, o total que os outros 99 autores receberiam da editora. Quem perde é o leitor. 

Joyce Lobato
Filha de Monteiro Lobato. Uma briga com a editora Brasiliense impediu por 60 anos a publicação das obras de seu pai

Cecília Meireles anda desaparecida porque um dos netos, Alexandre Carlos Teixeira, quer trocar a Ediouro por outra editora e reviver a autora nas estantes. Quer transformar em instituto a casa com 10 mil livros onde ela morreu, no Cosme Velho, em 1964. Filho de Maria Mathilde, sobrinho de Maria Elvira, ele vive em litígio com a única filha viva de Cecília, a atriz Maria Fernanda. “Qualquer editora daria tudo para publicar Romanceiro da Inconfidência, Ou isto ou aquilo, mas morre de medo quando vislumbra uma briga familiar”, diz Teixeira. A guerrilha não transparece no exemplar publicado por Teixeira na editora Moderna, As três Marias, com a correspondência trocada da Europa por Cecília e as filhas Maria Elvira Strang, Maria Mathilde Teixeira e Maria Fernanda. Antes de morrer, Maria Mathilde legou ao sobrinho Ricardo Strang, filho da irmã (também morta) Maria Elvira, a parte que lhe cabia no espólio. Com o terço que já possuía da mãe, Ricardo tornou-se o principal herdeiro, com dois terços. 

Teixeira ficou sem direito sobre as edições da obra. Uma de suas irmãs, Fernanda dos Santos, moveu ação questionando a assinatura da mãe no documento que cedia os direitos patrimoniais ao primo, Ricardo Strang. A assinatura foi periciada e considerada autêntica – mas a confusão atrasou a divulgação da obra. “Quem perde é a pobre da minha avó Cecília Meireles”, diz Teixeira. Embora não tenha direitos patrimoniais, ele é o agente literário de Cecília. “Além de me bater com a família, tenho de manter olho aberto nas editoras. Também sou agente literário do Manuel Bandeira, mas com minha avó não consigo a metade do que consigo com ele.” 

A pedido de uma das herdeiras, 12 títulos da obra de Nélson Rodrigues foram incinerados
 
AlexandreTeixeira
Neto e agente literário de Cecília Meireles, não consulta a tia sobre as edições da obra da avó

Há pouco, Teixeira travou uma briga com a editora Aprazível ao impedir a circulação do livro de fotografias de José Medeiros, Olho da rua, que incluía uma foto de Manuel Bandeira em 1936. Ele conversava com o escritor Orígenes Lessa no navio que levaria de volta o embaixador do México no Brasil, Alfonso Reyes. Bandeira faria um poema, …Alfonso Reyes partindo,/E tanta gente ficando… (“Rondó dos cavalinhos”), que não comoveu Teixeira a liberar a foto ou o livro. “Bastava pagar R$ 1.500 pelos direitos de 3 mil exemplares, e não seria nada, o livro teve patrocínio da Lei Rouanet, seria vendido a R$ 170. As editoras não podem passar por cima.” 

“As exigências sempre financeiras dos herdeiros já deixaram Bandeira fora do Museu da Língua, de especial da TV Brasil e de antologias”, disse o colunista Joaquim Ferreira dos Santos, no jornal O Globo. “O livro que agora querem retirar de circulação, de um fundador do fotojornalismo, traz apenas uma foto do poeta, num evento público. Os herdeiros parecem querer apagar Bandeira da memória nacional.” Teixeira endureceu. “Trabalho para o autor e nunca se publicou tanto sobre Bandeira”, disse. 

Carlos Barbosa, editor da Batel, quer distância de herdeiros. Ele era peça-chave na Nova Fronteira quando vivia o drama de publicar Nélson Rodrigues, morto há 30 anos. “O inventário não termina, os herdeiros são seis, de três mulheres diferentes, e fica complicado negociar sem engessar a obra”, diz. Uma dessas filhas nasceu cega, surda e muda, foi reconhecida e mereceu uma comovente crônica de Nélson. Mas agora, além dos seis filhos, são mais três advogados que o editor enfrenta: “O último contrato parecia peça do Nélson, no Fórum com a presença da juíza, herdeiros e advogados, solene como um casamento civil”. 

Até biografias são prejudicadas, como aconteceu com O anjo pornográfico, de Ruy Castro. No livro, ele contestara os documentos da mãe de três filhos que Nélson Rodrigues teve fora do casamento. A filiação de uma delas, Sonia Rodrigues, que controla o espólio, foi comprovada por exame póstumo de DNA. Ela entrou com medida judicial para retirar a obra do pai da editora Companhia das Letras, alegando “alterações” nas edições dirigidas por Castro. “Exigiram incineração das edições de 12 títulos”, afirma Castro. “Por vingança contra mim, processaram a editora e agora lançam na Ediouro livros semelhantes aos que foram queimados.” 

Sonia Rodrigues
Reconhecida por exame de DNA após a morte do pai, a filha de Nélson Rodrigues herdou os direitos sobre a obra do pai

A editora Maria Amélia Mello conta o prazer de conviver com velhos herdeiros que ainda se lembram de José Olympio. “É uma emoção mesmo”, diz. “Alguns filhos e netos choram quando vêm aqui.” José Olympio costumava “salvar” escritores com adiantamentos generosos, e sua editora era ponto dos mais animados encontros literários do Rio de Janeiro. A pesquisadora Nadia Battella Gotlib, autora das biografias de Tarsila (Senac, 2000) e Clarice Lispector (Imprensa Oficial, 2008), lembra que a memória da José Olympio é exceção na praça. “O universo era outro, agora herdeiros viraram executivos e tratam do ‘negócio’ com frieza”, afirma. “Quem consegue fazer biografias autorizadas hoje?” 

Para se proteger, as cinco filhas de três das nove viúvas de Vinícius de Morais tiraram as mães da jogada e gerem elas, desde 1987, a VM Produções Artísticas, o que resultou em shows, peças, livros, discos e o documentário de Miguel Faria Jr. É um caso único. 

Ninguém sabe o que vai acontecer depois da morte de um autor. Quem leu Rei Lear, de Shakespeare, ou assistiu à adaptação do diretor Akira Kurosawa, Ran, tece uma ideia do que vai se passar entre os herdeiros. A escritora Nélida Piñon, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, com 20 livros publicados e sem filhos, arquitetou um plano. “Vou antecipar os direitos em 70 anos, quero minha obra em domínio público quando eu morrer”, diz. “A família, as viúvas, os herdeiros ditos protetores, os que inventam uma felicidade e uma convivência que nunca existiram, são esses que paralisam a obra de uma vida.”
 

O link original: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI155579-15220,00-PROFISSAO+HERDEIRO.html

16/6 – Lançamento livro Mestres da Comunicação

11/06/2010 às 19:21 | Publicado em Autores | Deixe um comentário

Caros amigos,

É com satisfação que compartilho a data do lançamento do livro Mestres da Comunicação, organizado por Monica Martinez e Rosemary Bars Mendez, no dia 16 de junho, próxima quarta-feira, a partir das 19 horas, na Central de Cursos, rua Treze de maio 681, na Bela Vista, em São Paulo.

Abaixo o sumário do livro indicando primeiro o nome de um MESTRE seguido do nome do autor do perfil.

No lançamento o Prof. Norval Baitello, do PPGCom da PUC-SP, proferirá a palestra “Lógica e paixão (na ciencia e na vida)”.

Outras informações sobre o livro em: http://www.phorte.com.br/livro-mestres-comunicacao-389. Há um release abaixo, para quem precisar.

Aguardo vocês para uma taça de vinho,
 
Abraços,
 
Monica Martinez
Jornalista, escritora e professora universitária
www.twitter.com/escritacriativa
www.twitter.com/monicamartinez1

Currículo lattes
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4137430Z0
 
– – – – –

1 Vínculos Humanos: Comunicação, Corpo e Vida, 19
Norval Baitello Junior por Dimas A. Künsch

2 Um Homem da Terra e das Palavras, 43
Jair Borin por Jaqueline Lemos

3 Fritando o Peixe e Olhando o Gato, 55
Wilson Bueno por Arquimedes Pessoni

4 Mercado e Academia: Buscando a Conciliação, 71
Dulcília Helena Schroeder Buitoni por Gisely Valentim Vaz Coelho Hime

5 Um Professor e Jornalista Pragmático, 95
Manuel Carlos Chaparro por Paulo Sérgio Pires

6 Uma Vida Dedicada à Imagem, 117
Boris Kossoy por Rodrigo Capella

7 O Visionário da Comunicação, 131
Edvaldo Pereira Lima por Monica Martinez

8 O Diálogo Possível no Jornalismo Latino-Americano, 157
Cremilda Medina por Raul Osório Vargas

9 Marques de Melo, o Homem da Comunicação, 171
José Marques de Melo por Rosemary Bars Mendez

10 O Jornalismo no Olhar de uma Semioticista, 189
Lucia Santaella por Vinicius Romanini
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Release
 
“Mestres da Comunicação” reúne histórias de vida de pesquisadores
Lançamento acontece no dia 16/06
 
A Editora Phorte já colocou à disposição para venda no seu site (http://www.phorte.com.br) a edição do livro “Mestres da Comunicação” que traz o perfil de dez jornalistas que fizeram da pesquisa acadêmica uma de suas áreas de atuação. Organizado pelas também jornalistas Monica Martinez e Rosemary Bars Mendes, o trabalho reúne em 208 páginas a trajetória de alguns sócios da Intercom, escritas por dez colaboradores diferentes. Os textos trazem a história de vida de Norval Baitello Júnior, Jair Borin, Wilson Bueno, Dulcília Buitoni, Carlos Chaparro, Boris Kossoy, Edvaldo Pereira Lima, Cremilda Medina, José Marques de Melo e Lúcia Santaella. Para falar da trajetória desses pesquisadores um time de peso entrou no campo. São eles: Dimas A. Künsch, Jaqueline Lemos, Arquimedes Pessoni, Gisely Valentim Vaz Coelho Hime, Paulo Sérgio Pires, Rodrigo Capella, Monica Martinez, Raul Osório Vargas, Rosemary Bars Mendez e Vinicius Romanini.
 
A cerimônia de lançamento será no dia 16 de junho, às 19h, na Central de Cursos (r. Treze de Maio, 681 – Bela Vista – SP). Em setembro, o livro será lançado em ambiente acadêmico também no Publicom, evento que acontece durante o XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em Caxias do Sul (RS).
 
Serviço: Lançamento de “Mestres da Comunicação”
Data: 16/06/2010, às 19h
Local: Central de Cursos (r. Treze de Maio, 681 – Bela Vista – SP)
 
 
Informações à imprensa:
Arquimedes Pessoni Mtb 18781
e-mail: pessoni@ig.com.br
tel.(11) 9820-5151
29/05/2010

Google Editions será opção para autores independentes

20/05/2010 às 17:57 | Publicado em Autores, E-Books | Deixe um comentário

Vejam matéria publicada ontem no caderno de Informática da Folha de S. Paulo:

São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2010 Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Autores independentes se beneficiam dos e-books

BRUNO ROMANI COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Na corrida pelo domínio do mercado de livros eletrônicos protagonizada pelos gigantes da tecnologia (como Apple, Google e Amazon), os beneficiados vão além dos aficionados por leitura. Escritores independentes, aqueles que publicam as próprias obras sem ajuda de uma editora, também podem tirar vantagem da concorrência. Entre os ganhos estão maior retorno financeiro, variedade de plataformas e ferramentas para promoção com potencial de atingir muita gente. As primeiras pistas da nova era da autopublicação foram dadas pela Amazon ainda em janeiro, quando a Apple anunciou ao mundo a vinda do iPad. A loja virtual estabeleceu o aumento dos direitos autorais relacionados a livros eletrônicos. A partir de 30 de junho, escritores que vendem na Amazon receberão 70% do preço da venda -o valor atual é de 35%. A Apple deu o troco e costurou parcerias para levar ao iPad, por meio do aplicativo iBook, livros eletrônicos de escritores independentes . Os sites Lulu e Smashwords ganharam a benção da empresa de Steve Jobs para ser a porta de entrada para o badalado tablet. “A guerra tecnológica tem um grande benefício, que é colocar a possibilidade da autopublicação em destaque”, diz Ricardo Almeida, diretor-geral do Clube dos Autores, site que funciona como ferramenta para escritores independentes brasileiros. Há 15 dias, o Google revelou um novo serviço que deve expandir ainda mais as fronteiras da autopublicação. Com o Google Editions, a gigante das buscas passará a vender livros eletrônicos, incluindo aqueles de escritores independentes. “Comercializaremos qualquer livro com ISBN disponível pelo Google Book Search cujo detentor de direitos nos autorizar a comercializar suas obras por meio do Editions. O preço de cada livro será determinado pelo detentor dos direitos”, disse à Folha Rodrigo Velloso, representante da empresa no Brasil. O Google deverá esquentar ainda mais o mercado de livros eletrônicos, caso se confirme o projeto de seu próprio tablet.

Escrita e vida nova

17/04/2010 às 11:58 | Publicado em Autores | Deixe um comentário

Acho que ando em fase de gestação de ideias, daí ter atualizado com menos frequência este blog.

Costuma ser assim. Quando mergulho numa pesquisa acadêmica, freio os blogs um pouco, como se parir um novo conhecimento me demandasse a introspecção dos momentos finais da gestação.

É difícil gestar hoje em dia. Afinal, são tantos projetos que nós mesmos inventamos que precisam ser cuidados como um equilibrista maneja seus diversos pratinhos para que não caiam das hastes.

Bom, nesta volta à vida da escrita criativa, me deparei com o texto que Eliane Brum publicou em seu blog sobre sua partida da revista Época. Calou fundo em mim, talvez porque compartilhamos a idade, quem sabe. Quarenta anos é aquela fase que você olha para frente e começa a valorizar muito seu tempo, pois sabe que ele não é infinito. Enquanto um novo livro toma forma dentro de mim, sigo com os haicais e as ikebanas.

Como alguns de vocês talvez não tenham tido o prazer de ler o texto de Eliane Brum, eu o disponibilizo abaixo.

Um abraço a todos,

Monica

Escrivaninha Xerife
Minha nova vida precisa de gavetas e da coragem de assumir as cicatrizes
ELIANE BRUM

Esta coluna é inteiramente sobre mim. Aviso na primeira linha, que é para nenhum leitor reclamar que estava desavisado. Se achar que não vale a pena, pode parar por aqui e pular para outra.

Desde pequena, eu sonho com uma escrivaninha Xerife. Não sabia que se chamava xerife a escrivaninha dos meus sonhos. Descobri agora. Esta escrivaninha de madeira é cheia de gavetinhas e escaninhos de vários tamanhos e tem uma tampa. Quando você para de trabalhar, você fecha e ninguém sabe o que há lá dentro. Não tenho a menor ideia de onde eu possa ter visto uma dessas na minha cidade, lá no interior do Rio Grande do Sul. O fato é que eu sempre achei que essa era a única escrivaninha que um escritor poderia ter. Por causa das gavetinhas e, especialmente, por causa da tampa.

É mágico. Você está lá, escrevendo, todo escancarado e, de repente, você fecha. E até chaveia. Seus anjos e principalmente seus demônios ficam lá dentro, sem risco de se dependurarem no lustre, esconderem-se em algum lugar onde você não os ache ou mesmo assombrar o resto da família.

Tive várias escrivaninhas ao longo da vida, de fórmica à penúltima, toda modernosa, feita com madeira de demolição. No sábado, comprei minha última, a minha própria Xerife. Por que só agora? Porque só agora a mereci.

Decidi que vou me enforcar nas cordas da liberdade. Para isso, precisava me reinventar com tudo aquilo que já era meu. Para marcar este ato, queria transformar algo da matéria volátil dos sonhos em existência concreta. A escrivaninha dos devaneios da minha infância materializou-se, com tudo de incontrolável que existe quando nos arriscamos a desentocar os sonhos – com uma vara que é sempre meio curta – e os expomos às intempéries do real.

Foi um ato de profundo simbolismo para mim, que adoro rituais de passagem. Um dia antes da compra, na sexta-feira, deixei a redação da revista ÉPOCA, depois de dez anos. Poderia continuar ali por mais 20 (se continuassem me querendo, claro), mas achei que estava na hora de inventar uma nova vida para mim. Deixei Porto Alegre e a redação do jornal Zero Hora, onde trabalhei por 11 anos, em janeiro de 2000, para vir para São Paulo e para a ÉPOCA. Estava bem confortável lá. Mas há um momento que, pelo menos para mim, o conforto vira desconforto.

Na ocasião, me perguntavam por que eu deixaria tanto para ir para uma cidade maluca. Eu estava em um ótimo momento. Tinha acabado de ganhar um prêmio Esso (que para os jornalistas é muito importante), tinha uma coluna de reportagem (A Vida Que Ninguém Vê) que eu amava, adorava a cidade, tinha mais amigos do que conseguia dar conta, meu próprio apartamento quitado etc etc. Eu gostava de tudo, mas estava curiosa com a possibilidade de criar uma nova história para mim. Respondia: estou indo porque não quero saber como será a minha vida daqui a cinco anos. E fui.

Agora, completei dez anos incríveis na ÉPOCA. Fiz reportagens que transformaram a minha vida (e, espero, algumas outras), perambulei por Amazônias desconcertantes (elas são várias e sempre escapam), viajei pelas muitas periferias de São Paulo e testemunhei pequenos grandes milagres de gente. Hoje, sou povoada pelos personagens extraordinários com quem cruzei nesta última década. Sou uma Eliane muito mais rica agora do que quando cheguei. E tudo o que vivi dará sentido à nova Eliane que virá.

Não foi uma decisão intempestiva. Ela vem acontecendo dentro – e fora de mim – há um bom tempo. Há cinco anos tenho trabalhado nas férias e finais de semana em projetos paralelos, como documentários, livros, oficinas e palestras. Queria experimentar coisas novas e abrir outros caminhos para fora de mim. Outras maneiras de estar no mundo. Tenho uma convicção comigo: temos uma vida só, mas dentro dessa, podemos viver muitas. E eu quero todas as minhas.

Em 2008, comecei a escrever sobre a morte, de várias maneiras, em minhas reportagens na ÉPOCA. Olhar o rosto da morte, para mim, era desatar o nó que ainda me impedia de viver uma vida mais viva. Desde pequena, eu tenho esta característica. Quando tenho medo de alguma coisa, vou lá e faço. Quase perdi algumas partes do corpo por causa disso. E certamente perdi algumas porções invisíveis de mim mesma.

Ao fazer a principal reportagem desta série, quando acompanhei uma paciente de câncer até o fim da sua vida, perdi um naco da minha alma de supetão. Levei um tempão para parar de sangrar, como quem acompanha esta coluna sabe. Mas, um dos meus muitos apelidos é “Tixa”, de “lagartixa”. Há quem faça fantasias sobre a origem dele. Mas é bem menos picante. Passei a vida deixando a cauda em sustos pelas esquinas de mundo. Sempre acabo me regenerando, ainda que leve tempo. Todos somos lagartixas em alguma medida, apenas que eu abuso um pouco dessa vantagem evolutiva.

Minhas incursões no universo da morte deram-me maior clareza sobre a natureza da vida. Algumas pessoas comentavam que eu devia ter algum problema para ser tão mórbida. Bobagem. Morbidez é outra coisa. Não se fala da morte por causa da morte, mas por causa da vida. Lidar bem com a certeza que todos temos de morrer um dia, mais cedo ou mais tarde, é fundamental para viver melhor. E para compreender a natureza fugaz e preciosa da vida.

A vida rugiu com mais força dentro de mim depois dessas várias reportagens sobre a morte. A última delas, que encerra um ciclo, sairá em breve na revista. Faço 44 anos em maio. Fiz uns cálculos e descobri que preciso me apressar se quiser conhecer o mundo inteiro – e eu quero. E também para escrever o tanto que sonho. Como já disse mais de uma vez, escrever não é o que faço, é o que sou. E estava na hora de comprar minha escrivaninha Xerife e mudar de cenário.

Vou continuar fazendo reportagem. Apenas de um outro jeito, num outro tempo. Sou repórter até os confins da minha alma – e um pouco além. Se conseguir escrever ficção, como também sonho, só será possível pelo tanto de vida real e personagens de carne e osso que conheci nestes últimos 21 anos de reportagem. Só o real é absurdo. A ficção é sempre possível.

Estou com medo, muito medo. Volta e meia choro com saudade de uma vida que já não há. Mas eu não tenho medo de ter medo. Deixo um emprego seguro, numa revista onde respeitam o que sou e o que faço, com um bom salário e todos os benefícios, para me entregar ao vazio. Sei que tudo pode dar errado, sempre pode. Mas se der, eu invento outro jeito de seguir adiante. Esta é outra convicção que tenho: prefiro fazer as coisas do meu jeito e cometer meus próprios erros. Tanto quanto os acertos, os erros também devem nos pertencer.

Esta nova vida que começa hoje vem sendo construída há muito, mas só no final do ano passado descobri que a hora era agora. Não sei como foi. Nem se houve um momento exato. Lembro de dois pequenos episódios, apenas. Num deles eu corria para algum lugar com o João, meu marido, quando ele interrompeu meu passo marcial e disse: “olha”. Eu olhei para todos os lados e nada vi. Até que, com a ajuda dele, localizei uma florzinha diminuta no meio do concreto. Nós nos acocoramos e ficamos olhando o tanto de detalhes que ela tinha. Como era especial e linda e única. Aprendi isso com o João, que se esquece de tudo para passar intermináveis minutos vendo a forma de uma flor ou de uma nuvem ou de uma fatia de bolo de chocolate. Nunca vi ninguém enxergar tanta beleza no mundo quanto ele. Somos tudo o que somos. Mas as pessoas que amamos exacerbam algumas partes de nós, para o bem e para o mal. E o João tem este efeito sobre mim, de me tornar o melhor do que sou.

Naquele instante, percebi que corria tanto para fazer as tantas coisas paralelas que tinha inventado, que estava esquecendo daquilo que sempre deu sentido à minha reportagem, à minha vida: estava esquecendo de olhar de verdade.

O outro episódio aconteceu no final do ano. Eu estava com os meus pais na casa de praia que eles alugam a cada verão. E ficava olhando para eles. Me dava enorme prazer ver os dois se mexendo. Observar o jeito que cada um funcionava com relação a si mesmo e naquele casamento tão amoroso. (Eles andam de mãos dadas depois de 56 anos de casados e o pai dá flores pra mãe no aniversário de “conhecimento”). Num certo momento, fiquei olhando para o cabelo da mãe, o cabelo do pai, o jeito que o vento batia neles. E descobri que não podia mais continuar numa vida que eu não tivesse tempo para olhar o cabelo deles se mexendo com o vento.

Quando voltei para São Paulo e para a ÉPOCA, soube que tinha chegado a hora de partir. E agora lá vou eu. Não sei bem para onde, mas sei que é para mais perto de mim mesma.

Comecei então a procurar minha escrivaninha. Entrei no Mercado Livre, o site da internet que vende tudo, e coloquei na busca: “escrivaninha antiga”. E aí veio de todo o jeito e de toda época, com pés palitos, forma de bambolê, e também a minha, que descobri que se chama Xerife. Havia vários exemplares, mas gostei particularmente de duas. Uma era do Rio de Janeiro, o frete seria caro. A outra morava em São Paulo. Apostei nesta. O dono me deixou dar uma olhada nela antes de comprar. E lá fui eu na quinta-feira com o João num galpão da Barra Funda.

Ela era uma escrivaninha viva. Olhei para ela, ela olhou para mim, e eu soube que era a “minha”. Como na história do Harry Potter, em que é a varinha mágica que escolhe o bruxo – e só há uma varinha, única e singular, para cada bruxo –, a minha escrivaninha era assim, minha. Nasceu antes de mim e pertenceu a outros donos porque precisava me esperar.

Examinamos, eu e o João, ela inteira. E descobrimos que ela tinha mais cicatrizes do que nos prometeram. E alguns moradores indesejados. Numa das gavetinhas, havia um ninho de cupins. Nas costas, ela tinha sido quebrada em algum episódio de violência ou mau humor. Mas eu nunca fui uma boa negociante. As coisas práticas não têm muito efeito sobre mim. A escrivaninha também me receberia com mais rugas e feridas fechadas e abertas do que talvez esperasse. Nenhuma de nós nasceu ontem. Ambas queríamos – e precisávamos – nascer de novo.

Aceitei as cicatrizes da minha escrivaninha como parte da história de sua vida antes de mim. E fechei o negócio. Ela queria ir embora pra casa comigo já, eu senti isso. E o João também. Mas eu ainda precisava fazer o depósito e acertar o frete. Enquanto isso, o vendedor providenciaria um exterminador de cupins. Ao contar para a Maíra, minha filha, sobre a escrivaninha, eu dizia, toda empolgada: “ela tem cupins, mas também tem uma alma dentro dela!”. Com seu senso de humor peculiar, Maíra comentou: “Se tem alma, não traz para casa!”.

O problema é que eu tenho um fraco por almas. Venho de uma família de mulheres que falam com os fantasmas que vagam pela casa com a maior sem-cerimônia. Dava até pena do meu tio-avô, um homenzinho pequeno que passou a vida inventando objetos mirabolantes e deu a si mesmo um nome de passarinho. Quando ele arrastava os chinelos pelo assoalho, era despachado pela sua viúva: “Vai-te embora, Graúna, já disse que não te quero aqui!”. Para ele, a morte não mudou nada. A mulher continuava mandando em seu melancólico espectro.

Hoje é o primeiro dia da minha nova vida. Tenho que fazer um rearranjo completo na minha cabeça programada em mais de duas décadas de vida de funcionária. Não sigo mais uma lógica de segunda a sexta. Posso escrever às 6h da manhã de domingo, como faço agora. E ir ao cinema no meio da tarde de segunda-feira, como pretendo. Minha semana não terá mais finais e começos. Posso ficar acordada à noite e dormir de dia. Posso almoçar à meia-noite e tomar café ao meio-dia. Posso apenas ouvir a chuva batendo no telhado. Posso permanecer olhando para o teto por horas a fio.

O tempo é meu. Esta é a grande mudança. Vou perder dinheiro, segurança, carteira assinada, benefícios, férias remuneradas, décimo-terceiro. Em troca, retomo a propriedade do meu tempo. Me preparei para viver com pouco. Criei minha filha, comprei apartamento, não tenho um real de dívida. Só tenho agora que manter o meu corpinho. E ele é bem barato. Três pratos de feijão o deixam todo feliz.

Mantenho esta coluna exatamente aqui onde está. Ela faz parte do meu projeto de liberdade. Queria muito continuar, não sabia se queriam que eu continuasse. A ÉPOCA e a Editora Globo quiseram. Sou grata por isso. Assim como pela forma extremamente respeitosa com que a ÉPOCA e a Editora Globo trataram minha saída e meu desejo de reinventar minha vida.

Eu adoro escrever para vocês. E amo a internet. Então, toda segunda-feira estarei aqui, como sempre, logo de manhã, para pensarmos juntos sobre essa confusão que é a vida do mundo e a de todos nós.

Agora, vou abrir minha escrivaninha Xerife. Estaremos, eu e ela, com todas as gavetas de nossas almas escancaradas. De peito aberto, no vazio. Vamos ver o que conseguimos fazer juntas.

Torçam por mim (Por nós).

Eliane Brum

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI124381-15230,00-ESCRIVANINHA+XERIFE.html

Adeus a Tomás Eloy Martínez

22/02/2010 às 10:54 | Publicado em Autores | 2 Comentários

Um dos principais expoentes de sua geração, o jornalista-escritor argentino Tomás Eloy Martínez (1934-2009) faleceu no dia 31 de janeiro, depois de longa batalha contra o câncer.

No contexto do Jornalismo Literário, ele não era um purista como defende a escola estadunidense contemporânea, que prega livros-reportagem com cada dado absolutamente apurado e checado, como o livro Z, a Cidade Perdida, de David Grann, lançado em 2009 no Brasil pela Cia das Letras.

Antes, Martínez era um mestre na arte de pescar da realidade dados concretos — ou paradoxais — para nutrir sua literatura. Exemplos magistrais são O Vôo da Rainha (Objetiva), inspirado no caso do crime passional cometido pelo jornalista brasileiro Pimenta Neves, e Santa Evita (Cia das Letras).

Neste contexto, vale a leitura do artigo sobre Tomás Eloy Martínez feito pelo jornalista espanhol Juan Cruz, diretor-adjunto do jornal El País, publicado na Folha de S. Paulo de 4 de fevereiro de 2009:

ANÁLISE

O homem que desafiou Hemingway

JUAN CRUZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O escritor argentino Tomás Eloy Martínez, morto no último domingo, aos 75, gostava de coincidências. “O Voo da Rainha” (ed. Objetiva), romance com o qual ganhou o Prêmio Alfaguara em 2002, nasceu de um acaso, neste caso brasileiro.
Andava pelo Brasil e topou com uma extravagante história de amor protagonizada por um não menos extravagante diretor de jornal; nela estavam todos os elementos de soberba de que é capaz a alma humana, e ele guardou os detalhes do mesmo modo como tomava nota dos gestos e dados de suas crônicas: para quando essa história entrasse nas histórias que lhe fossem ocorrendo.
Um dia se propôs a gestar um romance com esses dados, e daí saiu a espetacular excursão imaginativa pela alma dos homens que é esse livro singular.
“O Voo da Rainha” nasceu como anedota e converteu-se em metáfora da soberba. Como se fez o milagre? Com a escrita.
Martínez era o melhor jornalista-escritor da América ibérica deste último meio século; sua morte é uma amputação grave de nosso sistema narrativo.
Foi um mestre singular, pois não proclamou seu magistério dizendo o que se devia fazer.
Apresentou-o fazendo. Foi cronista, jornalista, escritor de diários. E fez tudo isso trabalhando, ao pé da pena com a qual se anotam as coincidências…
Se sabia algo, os leitores teriam que sabê-lo. Não se demorou procurando coisas no lixo, mas contou o lixo. Quando teve que contar o sublime, usou também as armas de uma sensibilidade que agora subsiste, na história, como arte maior do jornalismo e da literatura.
Desafiou Hemingway, que dizia que uma só pessoa não podia ser jornalista e escritor.
Nesse livro, assim como em “Purgatório” ou em “O Romance de Perón” (ambos lançados aqui pela Companhia das Letras), Martínez é as duas coisas ao mesmo tempo, mas sempre tem claro (tinha claro -é difícil escrever sobre ele no passado) onde estão as armas do que conta para fabular e onde estão as armas do que conta para que os fatos fiquem claros.
Essas duas funções, a do jornalista e a do escritor, as exerceu com uma vontade férrea para colocar as fronteiras em seus lugares. Os fatos e as coincidências lhe serviram para os dois ofícios, e isso o manteve atento a tudo o que se movia.
A coincidência, na literatura e no jornalismo, existe para ser trabalhada. Martínez levava pelo mundo sua memória pronta, e aquela história do Brasil grudou nele, assim como grudaram no amigo Gabriel García Márquez as borboletas que iam atrás dos personagens de Aracataca. Martínez memorizava os fatos, que já habitavam em sua memória refinada até que se convertiam em fábulas extraordinárias. Foi esse o caso de “O Voo da Rainha”, talvez seu melhor livro de ficção.
Mas o prazer de lê-lo, de ler esse livro tão brasileiro, embora o tenha feito tão argentino, era equivalente ao prazer de escutá-lo. Por trás desse romance está a anedota, quase uma categoria, daquele jornalista ambicioso que desrespeita todas as regras para apoderar-se da vontade das mulheres que ama.
Mas a própria escrita, o desenvolvimento em código de ficção daquele anedotário suculento e inacreditável, está no livro como o voo de um romance. Não se pode confundir em momento algum o relato do que lhe ocorreu com o que de fato ocorreu. Algumas vezes eu o ouvi dizer que escrevia como se houvesse alguém no assento ao lado em um trem, que tivesse acabado de conhecer esse alguém e sentisse a necessidade inadiável de lhe relatar algo que acabava de lhe ocorrer.
Ouvi muitas vezes Martínez contar a história do personagem Camargo, de nome e sobrenome bem brasileiros. Há uma foto dele com o espanhol Jorge Semprún em que está lhe contando essa história. E Semprún ri, assim como eu mesmo, que também estou na foto.
Agora leremos seu livro “Lugar Común la Muerte” (lugar comum a morte; inédito no Brasil) e nos perguntaremos outra vez de onde viria esse motor narrativo que convertia em objeto de memória e escrita tudo o que tocava. Um escritor excepcional que pulverizou lugares comuns de Hemingway.
Quem me deu a notícia de sua morte foi Mercedes Barcha, mulher de Gabriel García Márquez, em Cartagena de Índias.
Gabo disse: “Era um amigo. O melhor de todos nós”. Era de sua estirpe, da estirpe dos escritores que vão ouvindo para poder contar. E nessa habilidade em ouvir o ritmo interior da terra, portanto da alma humana, estava a chave de sua capacidade de encantar, fabulando.
A coincidência era seu material: estar ali para ouvir. Hemingway teria gostado que um narrador assim o desafiasse.


Tradução de Clara AllainJUAN CRUZ é escritor e jornalista espanhol, diretor-adjunto do jornal “El País”

Escritos com sabor

09/02/2010 às 7:54 | Publicado em Autores, Gastronomia | Deixe um comentário

Pode-se notar nos livros de gastronomia grandes textos, escritos de forma autoral, com criatividade e sabor. Essa tradição começa há muito tempo. No Brasil, A História da Alimentação, por exemplo, do folclorista Câmara Cascudo (1898-1986), se deixa ler com prazer. Na Inglaterra dos anos 1950, outro expoente é Elizabeth David (1913-1992), em Cozinha Italiana, obra que se pode ler no Brasil pela Companhia das Letras. Para leitores da Folha de S. Paulo, ler Nina Horta toda quinta-feira é um must.

Agora o jornalista Mino Carta recomenda a leitura de L´Ingrediente Secreto, do chef bávaro Heinz Beck, lançado na coleção de não-ficção da editora Mondadori em 2009. Na revista Carta Capital desta semana há um trecho da obra para “degustação”:

:: Pensamentos e confissões 
O que é cozinha, os prazeres do mercado, quando o prato está “sentado”. Ideias esparsas de um mestre

Cozinha (cucina, em italiano) para mim é um acrônimo: Como Unir Comunicação, Encantamento, Natureza e Harmonia. Cozinha é interpretação, história e filosofia dos sabores, loucura disciplinada e rigor mediterrâneo. Cozinha é vida, a minha, que saboreio em doses pequenas e intensas, para aproveitá-la por inteiro. Para mim, cozinha é gosto, sabor, memória, prazer, participação de todos os sentidos. Cozinha não é comer. É muito, muito mais.Nihil posse creare de nihilo, nada se cria do nada, como diz Lucrécio. Tenho de encontrar algo que seja meu princípio. Algo que eu veja, ou sinta, ou fareje, ou recorde. Algo que me atinja, me toque por dentro e desperte o som de uma resposta: será a minha primeira nota, meu primeiro passo. Devo ter uma ideia.

Diz-se ser possível comer também com os olhos. Para mim isto é tão verdadeiro a ponto de valer para alimentos ainda não cozinhados. Ao dar voltar pelo mercado (o da praça Campo de Fiori, onde Giordano Bruno morreu queimado pela Inquisição) como com os olhos fruta e verdura. Gozo da luz que emana da casca das berinjelas, o verde brilhante das abobrinhas, o esplendor dos tomates e das laranjas. São pequenos sóis.

A cor é voz extraordinária para contar a harmonia do prato: é um poeta mudo. A forma necessita
de uma porção maior de tempo do que a cor para ser assimilada, entendida, saboreada. O trabalho
do chef está ligado diretamente ao tempo. É preciso que o hóspede disponha dele para apreciar, com todos os sentidos, cada pormenor.

Imagine uma mulher belíssima que vista tamanho 40: suas formas não serão valorizadas, certamente, se for trajar roupa de tamanho 36: da mesma maneira tem de ser dosada a porção: aumentar a superfície do prato serve para não oprimir seu conteúdo. A nossa matéria-prima tem de viver, precisa de espaço, caso contrário, não se criam obras de arte culinária. Assim como a arquitetura vive de áreas vazias e áreas cheias, o prato não deve parecer pesado, oprimido, feio de se ver. A matéria-prima deve viver entre espaços livres e espaços cheios, com luz e sombra.

Um prato está “sentado” quando oprimido, carregado, cheio demais. Desta maneira, “não respira”. Para arejá-lo, tem de ser eliminado tudo aquilo que o faz pesar demais ou encobre a fragrância, a vivacidade do sabor.

Um gesto nobre satisfaz sobretudo o seu autor. Da mesma forma, nós temos uma obrigação em relação a cada comensal: merece ser tratado como um rei. Hospitalidade significa máximo cuidado para quem escolhe dedicar-lhe seu tempo, sua atenção, suas expectativas de prazer.

De que maneira o luxo tem a ver com comida? Está, talvez, na rica decoração do restaurante, no emprego de matérias-primas notoriamente exclusivas: por exemplo, a trufa branca? Esta é visão óbvia, banal. Exclui as emoções. Não me pertence. Luxo, para mim, significa antes de mais nada disponibilidade para as experiências. Neste sentido, é luxuoso um prato de pasta al pesto. Luxo não é proporcional necessariamente a um grande investimento. Não é rito opulento, a jorrar riqueza. Não é o “mais, mais, mais”, e sim o que é limpo, palatável, essencial. Para mim, menos quer dizer mais.

E por falar em massa, consideremos o prato aparentemente mais fácil do mundo: espaguete com molho de tomates. Para mim, é uma felicidade saborear este prato, pois se forem bem cuidadas a escolha da matéria-prima e a execução, encerra todos os perfumes da terra.

Minha fraqueza, confesso, são as massas recheadas. Para mim, sic itur ad astra, assim vai-se no rumo das estrelas, como diz Virgílio. Não creio em comida afrodisíaca, mas acredito na erótica. Trata-se de uma criação que desafia os sentidos dos comensais, obrigados a aceitar a apetibilidade convidativa de um invólucro e a se arriscarem na surpresa do recheio: pode ser macio e sedutor como lábios de mulher, ou amargo e frio como o beijo recusado. 

A entrevista de Mino Carta com Heinz Beck pode ser lida na íntegra em  http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=5964

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